Decreto-Lei n.º 154/2003, de 15 de Julho,

Regulamenta a aplicação do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, no que respeita ao regime processual de atribuição e registo do estatuto de igualdade aos cidadãos brasileiros residentes em Portugal e aos cidadãos portugueses residentes no Brasil

 

(DR N.º 161, Série I-A, 15 Julho 2003; Data Distribuição 15 Julho 2003)

Emissor: Ministério da Administração Interna

Entrada em vigor na Madeira e nos Açores: 30 Julho 2003

Entrada em vigor: 20 Julho 2003

Texto em versão original

 

O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 28 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14 de Dezembro, revogou a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, celebrada em Brasília em 7 de Setembro de 1971.

Importa agora regulamentar a aplicação do Tratado no que respeita ao regime processual de atribuição e registo do estatuto de igualdade aos cidadãos brasileiros residentes em Portugal bem como o reflexo em Portugal da atribuição do estatuto de igualdade a cidadãos portugueses residentes no Brasil.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I
Regime de aplicação e registo do estatuto de igualdade

SECÇÃO I
Atribuição do estatuto

Artigo 1.º Iniciativa

Os cidadãos brasileiros que pretendam aceder ao estatuto de igualdade de direitos e deveres ou de direitos políticos, previstos no capítulo 2 do título II do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, devem requerê-lo, nos termos do presente diploma.

Artigo 2.º Acesso ao estatuto

1 – O reconhecimento de direitos políticos depende da concessão prévia ou simultânea do estatuto de igualdade.

2 – Em caso de cumulação de pedidos, estes são apreciados num único processo.

Artigo 3.º Legitimidade

Os pedidos de concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres e de reconhecimento do gozo de direitos políticos constituem actos pessoais, só podendo ser praticados pelo interessado ou por intermédio de procurador com poderes especiais.

Artigo 4.º Competência para a decisão

A atribuição do estatuto de igualdade de direitos e deveres e o reconhecimento da capacidade de gozo de direitos políticos é da competência do Ministro da Administração Interna.

Artigo 5.º Requisitos

1 – O estatuto de igualdade é concedido aos cidadãos brasileiros civilmente capazes, de acordo com a sua lei nacional, que tenham residência habitual em território português, comprovada através de autorização de residência.

2 – Para além dos requisitos enunciados no número anterior, o gozo de direitos políticos apenas pode ser reconhecido aos requerentes com residência habitual em território nacional há, pelo menos, três anos.

3 – A igualdade quanto aos direitos políticos não pode ser reconhecida aos requerentes que se encontrem privados de idênticos direitos no Brasil.

Artigo 6.º Requerimento

Os pedidos de concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres e de reconhecimento do gozo de direitos políticos devem ser formulados em requerimento que contenha a indicação do nome completo, data do nascimento, estado civil, filiação, naturalidade e residência do requerente, e são instruídos com os documentos necessários para comprovar, além da identidade do requerente, os requisitos mencionados no artigo precedente.

Artigo 7.º Prova dos requisitos

1 – A prova da nacionalidade e do gozo de direitos políticos no Brasil pode fazer-se através de documentos que, de harmonia com a lei brasileira, sejam para tal suficientes ou por declaração emitida por consulado do Brasil em Portugal.

2 – A prova da identidade, da capacidade civil, da residência habitual em território português, devidamente autorizada, e da sua duração faz-se nos termos gerais.

Artigo 8.º Apresentação do pedido

Os pedidos de concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres e do reconhecimento de direitos políticos são apresentados nos serviços centrais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou nas suas direcções regionais.

Artigo 9.º Instrução do processo

1 – No acto de recepção do requerimento verificar-se-á se este contém as indicações necessárias e se está devidamente instruído, devendo ser enviado aos serviços centrais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, se não tiver sido aí directamente apresentado.

2 – Em caso de omissão de indicações ou de falta dos documentos necessários, o requerente é notificado para, no prazo de 30 dias, prestar os esclarecimentos necessários ou juntar os documentos solicitados, sob pena de arquivamento do processo.

3 – No final da instrução, o órgão instrutor elabora relatório e proposta de decisão fundamentada que, se não for favorável ao requerente, lhe deverá ser notificada, nos termos e para os efeitos da lei processual administrativa.

Artigo 10.º Prazo para decisão

A decisão do pedido é proferida no prazo de 30 dias a contar da apresentação pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao Ministro da Administração Interna do processo devidamente instruído e relatado.

Artigo 11.º Publicação

A decisão sobre a concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres e sobre o reconhecimento do gozo de direitos políticos é objecto de publicação, por extracto, na 2.ª série do Diário da República.

Artigo 12.º Recurso

Das decisões que deneguem o acesso ao estatuto de igualdade cabe recurso para os Tribunais Administrativos nos termos da lei geral.

SECÇÃO II
Extinção do estatuto

Artigo 13.º Extinção

1 – O estatuto de igualdade de direitos e deveres e o reconhecimento do gozo de direitos políticos extinguem-se em caso de caducidade ou cancelamento da autorização de residência em território nacional ou quando o beneficiário perca a nacionalidade brasileira.

2 – O gozo de direitos políticos extingue-se ou suspende-se em caso de privação dos mesmos direitos no Brasil.

Artigo 14.º Registo

A extinção do estatuto de igualdade de direitos e deveres e do reconhecimento do gozo de direitos políticos só produz efeitos após registo, efectuado nos termos do disposto no capítulo II deste diploma.

SECÇÃO III
Conteúdo do estatuto de igualdade

SUBSECÇÃO I
Conteúdo do estatuto de igualdade de direitos e deveres

Artigo 15.º Equiparação de direitos

Os cidadãos brasileiros a quem tiver sido concedido o estatuto de igualdade gozam, a partir do registo da decisão, dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres dos cidadãos nacionais, com excepção do disposto no artigo seguinte.

Artigo 16.º Direitos não abrangidos

1 – O estatuto de igualdade não confere o direito à protecção diplomática em Estado terceiro.

2 – Ao cidadão brasileiro investido no estatuto de igualdade é reconhecido, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática.

Artigo 17.º Responsabilidade criminal

Os cidadãos brasileiros investidos no estatuto de igualdade ficam sujeitos à lei penal nacional em condições idênticas às dos portugueses.

Artigo 18.º Extradição

Os portugueses e brasileiros beneficiários do estatuto de igualdade ficam submetidos à lei penal do Estado de residência nas mesmas condições em que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade.

Vide Resolução da Assembleia da República n.º 5/94, de 3 de Fevereiro, Aprova, para ratificação, o Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil (DR 3 Fevereiro 1994).

SUBSECÇÃO II
Conteúdo do reconhecimento da igualdade de direitos políticos

Artigo 19.º Âmbito

O reconhecimento da igualdade de direitos políticos permite aos cidadãos que deles beneficiem o pleno exercício dos direitos de natureza política, nos termos da Constituição e da lei, com as limitações previstas no n.º 2 do artigo 16.º do presente diploma.

Artigo 20.º Exclusividade do gozo de direitos políticos

O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa a suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade.

SUBSECÇÃO III
Disposições gerais

Artigo 21.º Âmbito da lei pessoal

Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 13.º do presente diploma, os requisitos da capacidade de gozo e de exercício de direitos públicos de cidadãos investidos no estatuto de igualdade são unicamente os definidos pela lei portuguesa, salvo na medida em que tal capacidade dependa da capacidade relativa a direitos privados e esta seja regida por uma outra lei.

Artigo 22.º Nacionalidade

O acesso ao estatuto de igualdade, bem como o exercício de direitos ou o cumprimento de deveres dele decorrentes, não implicam a perda da nacionalidade nem prejudicam a aplicação da lei brasileira, como lei nacional, sempre que esta deva ser aplicada por força das normas de conflitos portuguesas.

Artigo 23.º Direitos e deveres inerentes à nacionalidade

Com ressalva do disposto no artigo 20.º, os cidadãos investidos no estatuto de igualdade mantêm todos os direitos e deveres inerentes à sua nacionalidade, com excepção daqueles que ofendam a soberania nacional ou a ordem pública do Estado de residência.

CAPÍTULO II
Do registo

SECÇÃO I
Do registo dos factos respeitantes a cidadãos brasileiros

Artigo 24.º Registo

Estão obrigatoriamente sujeitos a registo os factos atributivos ou extintivos do estatuto de igualdade de direitos e deveres e do reconhecimento do gozo de direitos políticos a cidadãos brasileiros.

Artigo 25.º Competência

1 – O registo efectua-se na Conservatória dos Registos Centrais.

2 – Para o efeito do disposto no número anterior, haverá na referida Conservatória um livro de registo do estatuto dos cidadãos brasileiros em Portugal, do modelo aprovado pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

Artigo 26.º Dever de registo

1 – O registo da atribuição do estatuto de igualdade de direitos e deveres e do reconhecimento do gozo de direitos políticos, bem como o da sua extinção, é lavrado oficiosamente, quando as autoridades disponham dos elementos necessários, sem prejuízo de o interessado o poder ou dever requerer.

2 – É obrigatório o requerimento, pelo interessado, do registo de extinção do estatuto de igualdade por perda da nacionalidade brasileira no prazo de 30 dias a partir da data da ocorrência dos factos.

Artigo 27.º Óbito

1 – O óbito de beneficiários do estatuto de igualdade é averbado oficiosamente, logo que as autoridades portuguesas disponham dos elementos necessários, e pode também ser requerido pelo cônjuge sobrevivo, por quem tiver vivido com o falecido em união de facto nos termos da lei civil ou por qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

2 – Para os efeitos previstos no número anterior, em caso de óbito de um cidadão brasileiro em território nacional, o funcionário do registo civil que tiver lavrado o respectivo registo envia o respectivo boletim à Conservatória dos Registos Centrais no prazo de oito dias.

Artigo 28.º Dever de comunicação

Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do presente diploma, o Ministério da Administração Interna comunica à Conservatória dos Registos Centrais os factos que tenham ocorrido, enviando os elementos necessários para o registo no prazo de oito dias contados a partir da sua verificação.

Artigo 29.º Forma de registo

1 – O registo da atribuição do estatuto de igualdade de direitos e deveres é feito em assento, lavrado por transcrição.

2 – O registo dos restantes factos abrangidos no artigo 26.º do presente diploma efectua-se por averbamento ao assento de atribuição do estatuto de igualdade, com base em comunicação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou das autoridades brasileiras.

Artigo 30.º Conteúdo do registo

O assento referido no n.º 1 do artigo anterior contém as seguintes menções especiais:

a) O nome completo, idade, estado civil, filiação, naturalidade e nacionalidade do interessado;

b) O estatuto atribuído e a decisão que o atribua.

SECÇÃO II
Do registo dos factos respeitantes a cidadãos portugueses

Artigo 31.º Forma de registo

1 – Os factos atributivos e extintivos do estatuto de igualdade de direitos e deveres e do reconhecimento do gozo de direitos políticos a cidadãos portugueses no Brasil, são registados mediante averbamento ao assento de nascimento do interessado.

2 – O registo é feito oficiosamente, sem prejuízo da possibilidade de o interessado o requerer.

Artigo 32.º Dever de comunicação

Para o efeito da realização oficiosa do registo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros remete à conservatória do registo civil competente os elementos referidos no n.º 1 do artigo anterior e os documentos comprovativos dos mesmos no prazo de oito dias a contar da recepção.

Artigo 33.º Registo nos consulados

Os factos a que se reporta esta secção são também registados nos consulados portugueses competentes, nos termos gerais.

SECÇÃO III
Disposições comuns

Artigo 34.º Prazo

1 – O registo é realizado no prazo de oito dias, tratando-se de assento, ou de dois dias, em caso de averbamento.

2 – O prazo conta-se a partir da data em que forem recebidos, na conservatória competente, os elementos necessários para o registo oficioso, ou da data em que for apresentado o requerimento, devidamente instruído.

Artigo 35.º Modelo para averbamento

Os averbamentos são lavrados segundo os modelos aprovados pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

Artigo 36.º Cadernos eleitorais

O registo da concessão e da extinção da igualdade de direitos políticos, tanto relativamente a cidadãos brasileiros em Portugal, como a cidadãos portugueses no Brasil, é comunicado à autoridade administrativa central com competência em matéria de recenseamento, para que esta promova as diligências legalmente adequadas.

Artigo 37.º Valor jurídico do registo

O registo a que se refere o presente capítulo tem o valor de registo civil, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas respeitantes a este último.

CAPÍTULO III
Da comunicação às autoridades brasileiras dos factos que interessam à execução do Tratado

Artigo 38.º Comunicação ao Estado Brasileiro

1 – O Governo Português comunica ao Governo Brasileiro todos os factos atributivos ou extintivos do estatuto de igualdade relativo aos cidadãos brasileiros, bem como a perda da nacionalidade portuguesa e o óbito daqueles que beneficiem do estatuto de igualdade no Brasil, enviando o boletim do respectivo registo no prazo de oito dias a contar da recepção deste.

2 – Sempre que se verifiquem situações de plurinacionalidade dos beneficiários far-se-á menção deste facto na comunicação referida no número anterior.

Artigo 39.º Competência

Para o efeito do disposto no artigo anterior, o serviço competente do registo civil envia o boletim do registo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, no prazo de oito dias.

CAPÍTULO IV
Disposições finais e transitórias

Artigo 40.º Bilhete de identidade

1 – Para uso interno os beneficiários do estatuto de igualdade têm direito a bilhete de identidade de modelo idêntico ao do que é emitido aos cidadãos nacionais, contendo a menção da nacionalidade do titular e a referência ao Tratado de Porto Seguro, de 22 de Abril de 2000.

2 – O pedido de bilhete de identidade é instruído com certidão de cópia integral do assento da atribuição do estatuto de igualdade.

Vide Portaria n.º 202/2007, de 13 de Fevereiro, Aprova o modelo oficial e exclusivo do cartão de cidadão para os cidadãos nacionais e para os beneficiários do estatuto referido no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro (DR 13 Fevereiro).

Artigo 41.º Comunicação ao Ministério da Administração Interna

A Embaixada e os Consulados de Portugal no Brasil, quando tiverem conhecimento dos factos mencionados no artigo 26.º, no n.º 1 do artigo 27.º e no artigo 31.º do presente diploma, devem comunicá-los ao Ministério da Administração Interna, independentemente de comunicação que o Governo Brasileiro venha a fazer.

Artigo 42.º Comprovação dos requisitos

1 – Os cidadãos portugueses no Brasil podem obter os documentos necessários para comprovar os requisitos do estatuto de igualdade através dos respectivos consulados.

2 – Para os efeitos do número anterior, os consulados certificam a nacionalidade e a não privação de direitos políticos dos cidadãos portugueses, mediante a apresentação dos documentos necessários para o efeito, nos termos da lei portuguesa.

Artigo 43.º Custas do processo

O pedido do estatuto de igualdade por cidadãos brasileiros em Portugal, os actos do respectivo processo e a publicação da respectiva decisão, bem como a obtenção dos documentos necessários para aqueles efeitos, são gratuitos e isentos de quaisquer taxas ou emolumentos.

Artigo 44.º Modelos

1 – Os modelos de assento e dos averbamentos previstos neste diploma, da certidão do registo do estatuto de igualdade e do bilhete de identidade referido no artigo 40.º, são aprovados pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

2 – O modelo dos certificados a emitir pelos consulados portugueses para os efeitos enunciados nos termos do n.º 2 do artigo 42.º são aprovados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Artigo 45.º Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 126/72, de 22 de Abril.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 9 de Maio de 2003. – José Manuel Durão Barroso – Maria Manuela Dias Ferreira Leite – Paulo Sacadura Cabral Portas – António Manuel de Mendonça Martins da Cruz – António Jorge de Figueiredo Lopes – Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona.
Promulgado em 4 de Julho de 2003.
Publique-se.
O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 7 de Julho de 2003.
O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.

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