Longe vai a discussão sobre a atribuição de um número único, aos cidadãos e às empresas, em Portugal. Essa discussão começou, com a relutância de muitos setores da sociedade, no princípio da década de 70, do século passado.

            Originariamente tinha um sentido exclusivamente tributário. Mas o modelo foi evoluindo e ninguém hoje o discute, apesar do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados, da Lei do Branqueamento de Capitais e da Lei do Registo Central do Beneficiário Efetivo.

            É completamente pacífico que os residentes no estrangeiro que tenham relações de qualquer natureza com Portugal estão obrigados a ter um NIF, a nomear um representante fiscal no país e a inscrever-se no Registo Central do Beneficiário Efetivo.

            Procuramos explicar neste artigo o sentido e alcance dessas obrigações.

 

O que é o NIF

A história do NIF (número de identificação fiscal) começou ainda no tempo da Ditadura com o Decreto-Lei nº 555/1973, de 26 de outubro, que que instituiu o Registo Nacional de Identificação, definindo as condições de funcionamento e utilização deste, a estrutura do Gabinete do Registo Nacional e reorganização do Centro de Informática do Ministério da Justiça.

Em 1978, o governo de Maria de Lurdes Pintassilgo publicou o Decreto-Lei nº 326/1978, de 9 de novembro, que introduziu alterações a esse diploma. Mas só em 1979 foi criado o “número único” para que apontavam essa legislação, publicando-se o Decreto-Lei nº 463/1979, que instituiu o número de identificação fiscal.

Dispunha o artigo 2º,1 do Decreto-Lei nº 463/1979, de 11 de novembro:

“Para efeito de atribuição do número fiscal, todas as pessoas singulares com rendimentos sujeitos a imposto, ainda que dele isentos, são obrigadas a inscrever-se em qualquer repartição de finanças mediante apresentação, devidamente preenchida, de uma ficha, em duplicado, conforme modelo Nº 1, anexo a este diploma.”

O Decreto-Lei nº 14/2013, de 28 de janeiro introduziu uma reforma muito profunda no regime jurídico do número de identificação fiscal, sepultando completamente o regime antecedente.

Dispõe agora o artº 3º deste diploma:

O NIF é obrigatório para as pessoas singulares e coletivas ou entidades legalmente equiparadas que, nos termos da lei, se encontrem sujeitas ao cumprimento de obrigações ou pretendam exercer os seus direitos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).”

A exigência de NIF é muito mais ampla, porque há inúmeros diplomas que expressamente o determinam a apresentação de um NIF.

Em fevereiro de 2019 detetamos 916 referências, em diplomas legais vigentes, a exigência de NIF, o que significa que, para além da norma do artº 3º do Decreto-Lei nº 14/2013, acima citada, a exigência do NIF ultrapassa largamente os quadros de sujeição ao cumprimento de obrigações ou ao exercício de direitos junto da AT.

É obrigatório ter um NIF para quase tudo, para não dizer tudo.

Na prática, não é possível fazer nada em Portugal sem ter um NIF, razão pela qual nem sequer enunciamos, pela positiva, em que quadros é necessário ter NIF.

Damos, apenas alguns exemplos de situações em que não é possível fazer nada sem NIF:

– propositura de qualquer ação judicial;

– ser parte em qualquer ação judicial;

– abertura de uma conta bancária em Portugal;

– compra ou venda de um automóvel ou de imóvel;

– celebração de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços em que seja parte uma pessoa física ou jurídica portuguesa;

– participação num contrato de sociedade com sede em Portugal;

– inscrição num estabelecimento de ensino português;

– inscrição numa ordem profissional em Portugal;

– pedido de autorização de residência em Portugal;

– pedido de registo de marca ou patente.

– celebração de contratos de qualquer natureza

– receber uma herança.

 

 

O representante fiscal

 

            As pessoas não residentes em Portugal mas que queiram estabelecer relações jurídicas, de qualquer natureza, no país carecem de ter um representante fiscal, que pode ser uma pessoa jurídica ou um pessoa física com domicilio fiscal no território português.

            Não vale a pena ter um NIF e residir no estrangeiro sem ter um representante fiscal.

            O artº 19º,6 da Lei Geral Tributária determina, a partir do nº 6:

“6 – Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional. “

O conceito de sujeito passivo é, neste contexto, um conceito muito largo, incluindo todos os titulares de NIF residentes no estrangeiro.

As consequências da falta de representante fiscal são terríveis, muito próximas da falta de NIF. Estabelece o artº 19º,7 da LGT que “independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.” Ou seja, quem, sendo residente no estrangeiro não tiver um representante fiscal em Portugal, não pode exercer os direitos de reclamação, de recurso ou de impugnação.

A única exceção está no nº 8 e refere-se aos contribuintes que tenham domicílio em Estado membro da União que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.

Nos termos do artº 19º,9 “a administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”

É especialmente relevante o disposto no nº 10 do mesmo artº 19º da Lei Geral Tributária, que dispõe o seguinte:

“Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração.”

 

Como escolher e nomear um representante fiscal em Portugal

 

            A representação fiscal pode ser estabelecida sob diversos formatos, por via contratual, ou até por via informal entre o não residente e o representante.

            Parece-nos inequívoco que o exercício da representação fiscal por advogados e solicitadores não prejudica as suas garantias profissionais.

            Dúvidas não há de que os advogados podem, enquanto tal, ser representantes fiscais dos residentes no estrangeiro.


O artº 66º,3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro dispõe o seguinte:

“ O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”

            Parece-nos inequívoco que a representação fiscal pode ser contratada entre o estrangeiro e qualquer pessoa singular ou coletiva; mas entendemos que só os advogados os solicitadores podem exercer a procuradoria profissional, nomeadamente no quadro da representação fiscal.

Um tio ou um cunhado podem representar, perante o fisco,  o familiar que é emigrante na América ou o sobrinho que quer vir estudar em Portugal. Mas o contabilista, ou a sociedade de contabilistas ou de economistas, não pode praticar atos de procuradoria profissional, reservados aos advogados e aos solicitadores, nos termos do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.

 

O domicílio fiscal

É importante salientar que o domicílio fiscal é intimamente conexo com o NIF e que é muito perigoso fazer falsas declarações nesta matéria.

Citamos o artº 19º da Lei Geral Tributária:

“1 – O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 – O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.

3 – É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

4 – É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

5 – Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.

 6 – Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

7 – Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

8 – O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.

9 – O representante pode renunciar à representação nos termos gerais, mediante comunicação escrita ao representado, enviada para a última morada deste.

10 – A renúncia torna-se eficaz relativamente à Autoridade Tributária e Aduaneira quando lhe for comunicada, devendo esta, no prazo de 90 dias a contar dessa comunicação, proceder às necessárias alterações, desde que tenha decorrido pelo menos um ano desde a nomeação ou tenha sido nomeado novo representante fiscal.

11- A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

12 – Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração.

13 – O Ministro das Finanças regula, por portaria, o regime de obrigatoriedade do domicílio fiscal eletrónico dos sujeitos passivos não referidos no n.º 9.

14 – A obrigatoriedade de designação de representante fiscal ou de adesão à caixa postal eletrónica não é aplicável aos sujeitos passivos que aderiram ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, com exceção do previsto quanto às pessoas coletivas ou outras entidades legalmente equiparadas que cessem atividade.

15- O cancelamento da adesão ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, relativamente às pessoas singulares e coletivas residentes fora da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, só produz efeitos após a prévia designação de representante fiscal.”

 

 

Esta é, sem dúvida, a norma mais importante no quadro do regime jurídico fiscal dos não residentes.

Está prevista a dispensa da representação fiscal aos sujeitos passivos que adiram ao novo serviço da morada única digital e ao serviço de notificações eletrónicas.

Tanto uma como outro já existem na lei, mas ainda não foram implementados.

 

 

Más práticas dos portugueses não residentes em Portugal

 

Faz parte das más práticas dos portugueses residentes no estrangeiro declarar (falsamente) que residem na sua aldeia ou na casa de um familiar em Portugal. Trata-se de um enorme erro.

Um português que viva na Alemanha ou nos Estados Unidos e tenha uma casa em Portugal não tem nenhum interesse, sequer, em pretender ser residente na base do artº 16º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

“1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

 

É importante ler os demais normativos do arº 16ª, que citamos, na integra, para que bem se entenda o regime fiscal dos residentes não habituais.

 

O regime fiscal dos residentes não habituais

 

Um português ou um estrangeiro que não tenham residido no país nos últimos 5 anos têm o direito de ser havidos como residentes não habituais e de serem tributados, durante 10 anos, à taxa liberatória de 20%.

É bom que e saiba que um contribuinte que tenha um rendimento de 50.000,00 € é tributado à taxa de 48%, se for residente em Portugal.

É o que pode acontecer ao emigrante que sempre tenha tido residência (falsa)  em Portugal  e que resolva regressar à Pátria.

Esse erro no cartão de cidadão pode custar dezenas de milhar de euros.

O mesmo problema se pode colocar aos imigrantes mais precipitados ou menos informados, em que se integram, especialmente os brasileiros.

Depois de declarar que são residentes em Portugal, não é possível declarar que não residiu no país nos últimos 5 anos, para os efeitos do estatuto de residente não habitual.

Também por isso é especialmente importante ter um representante fiscal competente, que subscreva o pedido de alteração de residência, o pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual e a renúncia à própria representação fiscal, por desnecessidade.

Importa ler com muita atenção o artº 16º, 2 e seguintes do CIRS:

 

“2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 – As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.o 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.o 1.

4 – A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

5 – A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

6 – São ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português.

7 – Sem prejuízo do período definido no número anterior, a condição de residente aí prevista subsiste apenas enquanto se mantiver a deslocação da residência fiscal do sujeito passivo para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, deixando de se aplicar no ano em que este se torne residente fiscal em país, território ou região distinto daqueles.

8 – Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 – O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 – O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

11 – O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.o 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 – O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.o 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

13 – Enquadra-se no disposto na alínea d) do n.o 1 o exercício de funções de deputado ao Parlamento Europeu.

 

 

 

 

O branqueamento de capitais e o regime jurídico do registo central do beneficiário efetivo

 

Ainda não foi implementado o sistema e já é uma verdadeira manta de retalhos, de interpretação muito difícil.

O pano de fundo do Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo á Lei nº Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, altera o Código Penal e o Código da Propriedade Industrial e revoga a Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, e o Decreto-Lei n.º 125/2008, de 21 de julho

A Lei nº 89/2017, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna do capítulo III da Diretiva (UE) n.º 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, e aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (RCBE), previsto no artigo 34.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.

Daqui se extrai como conclusão elementar que a Diretiva (UE) n.º 2015/849 foi transposta em, dois tempos e a duas velocidades.

A Lei nº 83/2017, de 18 de agosto foi o primeiro instrumento definidor de medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

A Lei nº 89/2017, de 21 de agosto veio complementar o diploma antecedente, como se tivesse havido uma censura para que a reparasse.

Enquanto a primeira lei impõe a um vasto conjunto de pessoas um dever de denuncia de todos os factos que possam ser potencialmente suspeitos de branqueamento de capitais, a segunda vem estabelecer um instituto novo – o do registo de beneficiário efetivo – e impor às  pessoas e às empresas que registem um vasto conjunto de dados e de factos num registo público – o Registo Central do Beneficiário Efetivo.

Para a boa compreensão do sentido e alcance do Regime Jurídico do Beneficiário Efetivo, é indispensável tomar conhecimento do disposto no referida diretiva e na Lei nº 83/2017, de 18 de agosto.

Podemos dizer, de forma caricaturada, que a Lei nº 83/2017 estabelece o regime jurídico da denúncia, enquanto a Lei nº 89/2017 e o Regulamento que ela contém em anexo estabelece o regime jurídico do registo dos seus pressupostos.

Isto é, como bem se compreende, especialmente relevante para a apreciação dos crimes e das contraordenações relevantes no quadro do branqueamento de capitais. Veja-se, só para iniciar uma reflexão, o disposto no artº 4º da Lei nº 83/2017 e, especialmente, o disposto no artº 79º.

Dispõe o artº 79º,1 que “sempre que atuem no decurso da apreciação da situação jurídica de cliente ou no âmbito da defesa ou representação desse cliente em processos judiciais ou a respeito de processos judiciais, mesmo quando se trate de conselhos prestados quanto à forma de instaurar ou evitar tais processos, independentemente de essas informações serem recebidas ou obtidas antes, durante ou depois do processo, os advogados e os solicitadores não estão obrigados (…)” a dar cumprimento ao disposto no artº 43º e a , remeter “as respetivas informações ao bastonário da sua ordem profissional, cabendo a esta transmitir as mesmas, imediatamente e sem filtragem, ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira”.

O artº 43ª da referida lei é inequívoco que “as entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo.”

Há nestes normativos uma obrigação de denúncia, que vincula inequivocamente os advogados e demais juristas e que legitima – porque a lei não pode obrigar ninguém a ser bufo – a não aceitação da prestação de serviços a clientes relativamente aos quais haja dúvidas, ainda que ténues, sobre as intenções.

É manifesta a conflitualidade entre as disposições legais constantes da Lei nº 83/2017, de  18 de agosto e as normas deontológicas da advocacia, em como as normas relativas à proteção de dados pessoais, constantes do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).

Mas dúvidas não há de que o representante fiscal está obrigado a registar todos os dados que o sistema pede sobre o seu representado, incluindo, naturalmente, os que dizem respeito à sua identidade.

Lisboa, abril de 2019

 

Miguel Reis

Advogado

Contactos

Contactos

Compartilhe