Arquivo em Julho 2019

É muito grave a situação das repartições do registo civil

As repartições do registo civil portuguesas – a quem incumbe o processamento de todos os atos de registo civil e atos relativos  ao regime jurídico da nacionalidade portuguesa – tem vindo a degradar-se de forma muito substancial.

Em 2009, foi publicada a Portaria no 654/2009, de 17 de junho, que aprovou o regime dos procedimentos eletrónicos em matéria de registo civil.

Porém, o Instituto dos Registos e do Notariado não conseguiram, até hoje, implementar a plataforma eletrónica indispensável para trais processamentos.

A degradação dos serviços é brutal e insustentável; e o incumprimento dos prazos é generalizado.

Para além disso, multiplicaram-se os pedidos de diligências despropositadas e inúteis que conduzem ao arrastamento dos procedimentos durante anos.

Para quem tiver tempo para esperar, o nosso conselho é no sentido de esperar e não estressar.

Para quem não possa esperar, por carecer de regularizar as situações jurídicas que obrigam aos registos, sugerimos que recorram aos tribunais administrativos pedindo que intimem as repartições faltosas a proceder aos registos ou a praticar os atos devidos.

É importante esclarecer quais são os prazos estabelecidos por lei para os procedimentos de registo civil e nacionalidade, partindo do pressuposto que os processos são instruídos por um profissional competente.

Nos termos da lei portuguesa, só os advogados e os solicitadores inscritos na Ordem dos Advogados ou na Câmara dos Solicitadores podem representar pessoas cívicas ou jurídicas junto de repartições públicas.

Os atos sujeitos a registo civil obrigatório são os seguintes, nos termos do artº 1º,1 do Código do Registo Civil:

a) O nascimento;

b) A filiação;

c) A adoção;

d) O casamento;

e) As convenções antenupciais e as alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado;

f) A regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação;

g) A inibição ou suspensão do exercício do poder paternal e as providências limitativas desse poder;

h) O acompanhamento de maiores e a tutela e administração de bens;

i) O apadrinhamento civil e a sua revogação

j) A curadoria provisória ou definitiva de ausentes e a morte presumida;

l) A declaração de insolvência, o indeferimento do respetivo pedido, nos casos de designação prévia de administrador judicial provisório, e o encerramento do processo de insolvência;

m) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, assim como a proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa administração;

n) A inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício do comércio e de determinados cargos;

o) A exoneração do passivo restante, assim como o início e cessação antecipada do respetivo procedimento e a revogação da exoneração;

p) O óbito;

q) Os que determinem a modificação ou extinção de qualquer dos factos indicados e os que decorram de imposição legal.

Nos termos do artº 1º,1, os factos respeitantes a estrangeiros só estão sujeitos a registo obrigatório quando ocorram em território português.

 

A questão da eficácia na ordem jurídica portuguesa

A eficácia desses factos na ordem jurídica portuguesa depende do registo no registo civil português, no caso de eles terem ocorrido no estrangeiro.

Se forem atos de registo puros, sem intervenção dos tribunais estrangeiros, os registos podem, por regra,  ser processados por transcrição.

Se, porém, forem atos que tenham carecido da intervenção de tribunais estrangeiros, as decisões carecem de ser revistas e confirmadas por um tribunal português.

A regra é que os documentos emitidos por um Estado estrangeiro são válidos em Portugal.

É que vem no artº 365º do Código Civil:  Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.”

A transcrição de qualquer ato de registo civil registado no estrangeiro deveria ser  concluida no prazo  do procedimento administrativo, ou seja no máximo de 90 dias, sem prejuizo dos prazos do Código do Registo Civil serem muito inferiores.

O prazo geral para ser proferido despacho em sede de procedimento administrativo é de 10 dias, sendo de 10 dias, outrossim o prazo para os interessados requerem diligências.

Nada justifica que o registo por transcrição de um óbito ocorrido no estrangeiro demore quatro ou cinco meses, ou mesmo anos, quando a lei impõe aos herdeiros, um prazo de 90 dias para procederem à regularização da situação sucessória perante a Administração Tributária.

 

Os casos especiais do Estado da Índia e das ex-colónias

A União Indiana ocupou, em 21 de dezembro de 1961  os territórios de Goa, Damão e Diu.

Em 17 de fevereiro de 1962 foi publicada a Lei nº 2112, que determinou que continuariam a ser nacionais portugueses as pessoas nascidas naquele território., que Portugal considerou  território português até ao dia 3 de julho de 1975.

É escandalosa a falta de respeito de Portugal pelas suas próprias leis no que se refere ao registo civil dos portugueses da Índia a aos registos dos que nasceram portugueses nas demais colónias, tornadas independentes em 1975.

Em 1977 foi publicado  o Decreto-Lei nº 249/77, de 14 de junho, visando simplificar a forma de ingresso nos livros do registo civil português de atos de registo civil anteriormente lavrados nas ex-colónias.

Em vez de facilitar, parece que este diploma ainda veio criar mais dificuldades. E o universo que temos nestas paragens é desolador. Há  Portugueses  com 60, 70, 80 anos que são tratados como apátridas há quase meio século.

A verdade é que os respetivos registos – que foram processados pela antiga administração portuguesa – deveriam ter sido integrados no sistema de registo civil português no prazo máximo de 10 dias, porque, na generalidade dos casos não se suscitam quaisquer dúvidas sobre os documentos.

E se dúvidas houvesse, também para elas a lei oferece diversas soluções, a começar pelo processo de justificação em sede de registo civil.

 

Processos judiciais expeditos

Os tribunais administrativos também são lentos e também não funcionam como seria desejável. Mas são especialmente atentos  no que se refere à defesa de direitos fundamentais e a situações que são absolutamente escandalosas no quadro da União Europeia.

Ninguém sabe que há portugueses e descendentes de portugueses às espera de registos há 5, 10, 15 anos.

Como serão poucos os que sabem que o mesmo Estado português que agracia Aga Khan com a nacionalidade portuguesa a denega aos que, nos termos das leis portuguesas ou são portugueses sem registos ou são pessoas que têm direito à nacionalidade portuguesa.

Os processos arrastar-se-ão cada vez mais, ao ponto de não terem solução administrativa.

Já vimos que muitos atos de registo deveriam ter sido processados no prazo de 10 dias. É, em nossa opinião, o que deveria ter sido feito relativamente às integrações de assentos de registo de nascimento processados nas antigas colónias.

Nos processos de nacionalidade, os prazos são claros: o conservador tem 30 dias para analisar o pedido e notificar o interessado para, em 20 dias, suprir faltas e mais 60 dias para proceder aos registos.

Não se conhece nenhum conservador que respeito o prazo legal; e isso ofende direitos fundamentais dos requerentes, que só podem ser defendidos por via judicial.

Meter a cabeça na areia e acreditar em milagres deixou de ser apenas um erro para poder ser uma atitude suicida.

Por isso desenhamos vários tipos de ações judiciais, visando combater este flagelo, com o mínimo de custos possíveis.

Não ganharemos todos os casos na primeira instância, como aconteceu com a luta pela não apresentação de provas de ligação à comunidade nacional, em que creditamos dois acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Mas, porque acreditamos na Justiça, também acreditamos que será possível pôr termo a esta pouca vergonha.

 

Lisboa, 7 de agosto de 2019

Miguel Reis