Acesso ao registo de sanções disciplinares de advogado

Acesso ao registo de sanções disciplinares de advogado

Citamos Lexpoint

A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) concedeu acesso ao registo de sanções disciplinares de um advogado, constante no Conselho Regional de Faro da Ordem dos Advogados, a pedido de um condómino de um prédio administrado pela empresa sob responsabilidade desse advogado. Entendeu que Administração está obrigada a prestar a informação sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos.

Este parecer da CADA teve dois votos contra, que consideram atentatório do princípio da proporcionalidade interpretar o direito de acesso a informação administrativa como uma garantia de acesso a qualquer registo de sanção disciplinar, tendo em conta a lei de acesso aos documentos administrativos (LADA), o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).

Desde logo, o RGPD protege o acesso e tratamento de dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações – incluindo as de caráter disciplinar.

O acesso nos termos concedidos pode afetar direitos fundamentais e contribuir para a definição de perfis negativos de profissionais, em concreto de advogados.

O caso

O condómino tinha pedido para consultar o processo de inscrição do advogado para verificar se, durante o exercício da sua profissão de advogado, este teria tido queixas ou eventuais processos disciplinares devido à sua conduta, por considerar que, enquanto responsável pela empresa de condomínios, o advogado tinha mostrado, nos contactos realizados, uma atitude intimidatória assente no seu tútulo profissional.

A Ordem dos Advogados recusou a informação, por considerar que o registo disciplinar dos advogados assume carácter iminentemente reservado, pelo que só pode ser disponibilizado para efeitos e apreciação disciplinar da conduta dos advogados ou se for solicitado no âmbito de um processo judicial.

Face ao indeferimento, o requerente apresentou queixa à CADA que veio a dar-lhe razão, instruindo a Ordem a facultar acesso à informação pedida.

Razões da Ordem dos Advogados

A Ordem dos Advogados considerou que o processo de inscrição e eventualmente algum registo disciplinar ter um carácter reservado. A finalidade do pedido de acesso ao processo de inscrição do advogado foi a de verificar se este teria tido queixas ou eventuais processos disciplinares durante o exercício da sua profissão – nada de factual ou concreto.

Assim, entendeu que o requerente não teve qualquer tipo de interesse para o assunto, apenas servindo para a sua curiosidade. O requerente não demonstrou ter um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente relevante, pelo que se a consulta fosse deferida iria  atentar contra os direitos fundamentais do advogado, com devassa à sua esfera pessoal e privada e possivelmente ao seu bom nome.

A consulta do processo de inscrição viola ainda o princípio da licitude do tratamento de dados, por serem usados os dados pessoais do referido advogado para outros fins que não os permitidos pela Lei e fora das competências do órgão que os recolheu.

Eventualmente, o requerente poderia ter apresentado de queixa junto do Conselho de Deontologia de Faro, se tivesse razão de queixa do advogado, para um possível processo disciplinar.

Justificações da CADA

A CADA considerou que o direito de proteção assegura ao advogado o não acesso ao seu registo biográfico (processo de inscrição e existência de queixas disciplinares), mas o mesmo não acontece com o registo de sanções disciplinares, atendendo a que o EOA prevê a publicidade das sanções.

Nos termos do EOA, é sempre dada publicidade à aplicação das sanções de expulsão
e de suspensão efetiva. As restantes sanções só são publicitadas quando tal for determinado na deliberação que as aplique. A publicidade é feita por edital afixado nas instalações do conselho de deontologia e publicado no site da Ordem dos Advogados e num dos jornais diários de âmbito nacional (com a identidade, o número da cédula profissional e o domicílio profissional do advogado arguido, bem como as normas violadas e a sanção aplicada).

Entende a CADA que, onde não houver publicidade obrigatória ou deliberação de publicidade não há matéria de segredo ou de reserva, aplicando-se o regime geral de acesso por quem o solicitar.

Portanto, deve ser facultado ao requerente o acesso ao registo de sanções disciplinares do advogado. Além disso, apesar de publicados em Diário da República, a procura de sanções é difícil pelo que a Administração está obrigada a prestar a informação sobre a sua existência e conteúdo, sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos, violando o princípio da colaboração.

Assim, havendo registo de sanções disciplinares o requerente deve ser informado e se não existir também.

Limites ao acesso 

Dos votos de vencidos destacam-se várias considerações.

Articulando a legislação nacional com o RGPD, os processos disciplinares, particularmente os disciplinados no EOA, contém dados pessoais, cujo tratamento e acesso estão sujeitas ao princípio da finalidade e da minimização.

O direito de acesso no caso em apreço, não tomando em consideração a gravidade das sanções, permite a sua utilização como fonte de difusão vexatória do comportamento profissional de advogados pela prática de ilícitos menores ou que não dão origem a sanções que impeçam o exercício da profissão.

Refere-se ainda que as sanções disciplinares são sanções decorrentes de processos contraordenacionais aos quais se aplicam subsidiariamente os preceitos do direito penal e processual penal. Por essa razão, as sanções em causa devem ter um tratamento idêntico ao previsto para as sanções criminais quanto ao seu acesso.

Os perigos da discriminação no uso de dados pessoais sobre as infrações dos advogados são reais e podem contribuir para a definição de perfis negativos – destes e de outros profissionais.

Não é qualquer registo sancionatório que pode ser transmitido face a pedidos de acesso sem considerar a natureza da sanção, tanto mais quando se baseiem em razões que não são suficientes para suplantar o direito de proteção do titular dos dados.

A transmissão de dados pessoais de natureza disciplinar a terceiros deve basear-se em fundamento de legitimidade ou base legal que respeite o RGPD.

Referências
CADA – Parecer n.º 331/2021, de 16.12.2021
Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27.04.2016

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