Arquivo em Janeiro 2022

QUALIFICA: Reconhecimento, a validação e a certificação de competências no âmbito do Programa Qualifica

Portaria n.º 61/2022

Publicação: Diário da República n.º 21/2022, Série I de 2022-01-31, páginas 6 – 19
Emissor: Educação e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Data de Publicação: 2022-01-31
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SUMÁRIO
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QUALIFICA: Reconhecimento, a validação e a certificação de competências no âmbito do Programa Qualifica

Empresas de investimento – taxas de supervisão

Portaria n.º 60/2022

Publicação: Diário da República n.º 21/2022, Série I de 2022-01-31, páginas 3 – 5
Emissor: Finanças
Data de Publicação: 2022-01-31
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SUMÁRIO
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Empresas de investimento – taxas de supervisão

Alteração so sistem dos “Tech-Visa”

Portaria n.º 59-A/2022

Publicação: Diário da República n.º 20/2022, 1º Suplemento, Série I de 2022-01-28, páginas 2 – 12
Emissor: Economia e Transição Digital e Administração Interna
Data de Publicação: 2022-01-28
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SUMÁRIO
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Alteração so sistem dos “Tech-Visa”

Cibersegurança, residiência e proteção de informação sensível

Decreto-Lei n.º 20/2022

Publicação: Diário da República n.º 20/2022, Série I de 2022-01-28, páginas 2 – 14
Emissor: Presidência do Conselho de Ministros
Entidade Proponente: Administração Interna
Data de Publicação: 2022-01-28
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SUMÁRIO
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Cibersegurança, residiência e proteção de informação sensível

Perda de chance processual

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022
Publicação: Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 – 42
Emissor: Supremo Tribunal de Justiça
Data de Publicação: 2022-01-26

ELI:
https://data.dre.pt/eli/acstj/2/2022/01/26/p/dre/pt/html

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SUMÁRIO
O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade
TEXTO
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022

Sumário: O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.

Proc. n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A

Acordam, em pleno das Secções Cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

AA instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e Mapre Seguros Gerais, S. A., pedindo que:

a) Seja o 1.º R. condenado no pagamento ao A. da quantia de (euro) 447.750,00, acrescida de juros no valor de (euro) 72.315,68, num total de (euro) 520.068,68, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;

b) Seja a 2.ª R. condenada a pagar a parte do valor da alínea anterior que lhe corresponda por via do contrato de seguro correspondente à apólice n.º 000, desconhecendo o A. qual o limite do capital segurado ao 1º R. na medida em que desconhece se os RR. celebraram entre si reforço de capital.

Alegou, em síntese, que intentou ação contra Águas de S. José, Lda., CC e DD, ação que correu termos no Tribunal Judicial… e em que pedia a condenação dos RR. no pagamento da quantia de (euro) 447.750,00 e juros no montante de (euro) 72.315,68; ação em que o tribunal, na sentença proferida em 1.ª Instância, concluiu que a R. sociedade teria estado obrigada a restituir-lhe a quantia de (euro) 125.000,00 acrescida de juros remuneratórios e moratórios, mas em que, considerando que já havia entregue ao A. a quantia de (euro) 138.997,28, superior à quantia em dívida, julgou extinta a referida obrigação de restituição e absolveu todos os RR..

Ora, segundo o A., tal sentença da 1.ª Instância incorreu em erro manifesto na análise da prova, mormente a documental, com consequente erro quanto à matéria de facto que deu como provada, razão pela qual, inconformado com a mesma, deu instruções expressas ao aqui 1.º R., seu advogado, para, em seu nome, interpor recurso, o qual foi apresentado pelo 1.º R. sem conter alegações, razão pela qual não foi admitido.

Assim, por causa de tal conduta do 1.º R., resultaram para si prejuízos, decorrentes de ter perdido o direito a ver reapreciado o litígio em sede de recurso e do ganho de causa que tal reapreciação lhe traria.

Os RR. contestaram, separadamente.

A R. Mapfre Seguros Gerais, S. A. admitiu a celebração de contrato de seguro com a Ordem dos Advogados, limitando a sua responsabilidade ao capital seguro, com a dedução da franquia; e impugnou os factos alegados pelo A., invocando, em síntese, que não existiu atuação ilícita imputável ao lº R., que a alegada omissão do lº R. não acarretou para o A. quaisquer danos ou prejuízos, que não existe nexo de causalidade entre a alegada omissão e a improcedência da pretensão do A. no processo e que, na perda de chance, o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade do constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo tribunal e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar.

O 1.º R. invocou que da sua conduta não resultaram danos para o ora A.

Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação…, que, por acórdão de fls. 1087, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

De novo inconformado, interpôs o A. recurso de revista – que foi admitido excecionalmente (cf. art. 672.º/3 do CPC) por acórdão de fls. 1192 da Formação – tendo este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23/04/2020 (fls. 1208 a 1244), negado a revista.

Ainda e mais uma vez inconformado, veio o A. interpor recurso para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigo 688.º e ss. do CPC, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, tendo, após aperfeiçoamento, formulado conclusões a identificar como questão fundamental de direito (decidida de forma contraditória nos acórdãos em confronto) saber se numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual é suficiente fazer prova da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito para, “dispensando o labor do julgamento para provar que o dano existiu”, o autor/cliente ter direito a ser indemnizado pelo dano da perda de chance.

Os Recorridos responderam, em separado, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.

O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por decisão proferida em 30/11/2020 (constante de fls. 80 a 93), reconhecendo-se que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento indicado (do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1), foram proferidos no domínio da mesma legislação e que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.

Consignou-se a propósito:

“[…]

Ao interpretar a norma do n.º 1 do artigo 688.º do CPC, vem a jurisprudência deste Supremo Tribunal afirmando que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência exige que se verifique uma contradição entre decisões do Tribunal, desde que ocorram cumulativamente as seguintes condições: identidade da questão fundamental de direito; identidade do regime normativo aplicável; essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.

[…]

o acórdão recorrido afirmou o seguinte:

«Tendo ficado provado que o 1.º R., na qualidade de mandatário do A., atuou ilicitamente ao não interpor recurso de apelação da sentença da Vara Mista… (factos provados 20 a 22), não oferece dúvida, nem os RR. o impugnam, ter aquele violado os deveres a que se encontrava adstrito pelo contrato de mandato forense celebrado com o A.

Assim sendo, não está em causa o preenchimento do pressuposto da ilicitude, mas antes dos pressupostos do dano e da causalidade, à luz da denominada doutrina da perda de chance processual.»

[…]

Concluiu o acórdão-fundamento o seguinte:

«Como assim, a ré violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com o autor, deixando de satisfazer, pontualmente, a obrigação de entrega oportuna do requerimento probatório a que estava vinculada, o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que a torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, ambos do CC.»

Para o que ora releva, conclui-se que tanto o acórdão recorrido como o acórdão-fundamento reconheceram existir uma situação de incumprimento (presumidamente culposo) do contrato de mandato forense, passando a apreciar, à luz da doutrina da perda de chance processual, da verificação dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade adequada entre a conduta ilícita do devedor mandatário e o dano.

Tal verificação foi realizada, num e noutro acórdão, em função do regime dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, o que permite dar como preenchido o requisito de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência consistente na identidade do regime normativo aplicável.

Aqui chegados, importa averiguar se a questão fundamental de direito invocada no presente recurso – numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual é ou não suficiente fazer prova da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito para que o autor tenha direito a ser indemnizado pelo dano da perda de chance – foi resolvida de forma divergente pelos dois acórdãos em confronto; e, caso se conclua afirmativamente, apreciar da essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.

O acórdão recorrido:

– Convocando a fundamentação do acórdão deste Supremo Tribunal de 30.11.2017 (proc. n.º 12198/14.6T8LSB.L1.S1), considerou ser “razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado” e ainda que “o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (artigo 342.º, n.º 1, do CC)”;

– Aplicando esta orientação ao caso em apreciação, entendeu que, não tendo o autor logrado fazer prova da probabilidade consistente e séria de sucesso do recurso de apelação a ser interposto naqueloutra ação patrocinada pelo (aqui) 1.º R., julgou improcedente o recurso de revista, mantendo a decisão de absolvição dos réus do pedido.

O acórdão-fundamento:

[…]

– E apreciou o caso concreto nos seguintes termos:

«O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.

Por outro lado, uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do ato do lesante, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico, devendo a indemnização refletir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado.

Assim sendo, a reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.

Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida.

Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual.

Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance.

Na hipótese em apreço, na ação de que esta depende, o autor pedia a condenação do, então, réu a pagar-lhe a quantia de (euro) 198,000,00, sustentando agora, neste recurso de revista, que, em termos de equidade, deve o correspondente dano ser fixado em 50 %, para cada parte, isto é, no quantitativo de (euro) 99000,00, deduzidas as franquias convencionadas, a suportar pela ré, Dr.ª BB, por força do contrato de seguro celebrado, atento o disposto pelos artigos 1.º e 167.º, do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, e 99.º, n.º 1, do EOA.

Considerando a natureza do dano em análise, nunca a indemnização poderia atingir a totalidade da quantia, inicialmente, peticionada pelo autor, como, aliás, este acaba por reconhecer nas suas alegações de revista.

Assim sendo, atendendo a que se não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência, com base na equidade, que é agora o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, fixa-se o mesmo em 50 %, para cada uma das partes.

Contudo, era sobre a ré, Dr.ª BB, mas, também, agora, sobre a ré seguradora, “CC (…, Lda..)”, que impendia o ónus de demonstrar que à improcedência da acção que o autor propôs contra o réu DD fora, absolutamente, indiferente o facto de aquela não ter apresentado o requerimento probatório, a que refere o artigo 512.º, n.º 1, do CPC, atento o preceituado pelo artigo 342.º, n.º 2, do CC, já que a ação, mercê de outras vicissitudes, sempre seria julgada improcedente e o mencionado réu absolvido do pedido.

Na verdade, no âmbito da responsabilidade contratual em que se move a causa de pedir da ação, uma vez que o lesado demonstre a existência dos respetivos pressupostos – vínculo contratual e nexo causal – o ónus da prova da diligência recai sobre o advogado, por força da respetiva presunção de culpa, a que se refere o artigo 799.º, n.º 1, do C.C.»

– Em conformidade, decidiu conceder a revista, condenando a ré seguradora a pagar 50 % do valor correspondente ao pedido formulado na ação patrocinada pela ré advogada, “deduzido da franquia geral convencionada, no montante de (euro)1.500,00″, que fica a cargo da dita ré advogada.

Constata-se assim que:

O acórdão-recorrido entendeu que, numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual, além da prova da violação, presumidamente culposa, dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito, é necessária a prova de uma probabilidade consistente e séria de sucesso da ação patrocinada pelo mesmo mandatário, cabendo essa prova ao autor que invoca o direito de indemnização;

Enquanto o acórdão-fundamento considerou que, numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual, além da prova da violação, presumidamente culposa, dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito, qualquer grau de probabilidade de sucesso da ação patrocinada pelo dito mandatário atribui ao autor direito a ser indemnizado, correspondendo o valor da indemnização fixada equitativamente à aplicação da probabilidade de sucesso (medida em percentagem) sobre o montante peticionado; e cabendo ao réu a prova da inexistência de qualquer probabilidade de sucesso daqueloutra ação.

Conclui-se, assim, pela verificação de divergência na resolução da mesma questão fundamental de direito.

Por último, afigura-se que tal divergência foi essencial para o resultado de cada um dos acórdãos e para o desfecho das respetivas ações.

Com efeito, se a solução seguida no acórdão-recorrido fosse aplicada ao caso apreciado no acórdão-fundamento, o resultado teria sido a improcedência total da ação, uma vez que, neste último caso, não foi feita prova que existisse uma probabilidade consistente e séria de ganho da ação patrocinada pela advogada ré.

E inversamente, se a solução adotada no acórdão-fundamento tivesse sido aplicada ao caso apreciado no acórdão recorrido, o resultado teria sido a procedência parcial da ação, uma vez que, neste caso, não foi feita prova da ausência de qualquer probabilidade de ganho da ação patrocinada pelo réu advogado; ou, por outras palavras, uma vez que, no caso apreciado no acórdão recorrido, não foi feita prova de que a ação na qual o réu advogado incumpriu os seus deveres contratuais estivesse necessariamente condenada ao insucesso.

Deste modo, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos de admissibilidade previstos no n.º 1 do art. 688.º do CPC […]”

O Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no artigo 687.º/1, ex vi artigo 695.º, ambos do CPC, emitiu parecer no sentido da existência da contradição jurisprudencial e que o conflito jurisprudencial em causa deve ser resolvido através da emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual sugere a seguinte formulação: “Numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual, além da prova da violação, presumidamente culposa, dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito, é necessária a prova de uma possibilidade consistente e séria de sucesso da ação patrocinada pelo mesmo mandatário, cabendo essa prova ao réu que contesta esse direito de indemnização.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Atento o seu objeto e o disposto no art. 692.º/4 do CPC, donde se extrai que a decisão liminar de trazer o processo a julgamento para uniformização de jurisprudência não é vinculativa, as questões que importa agora dirimir consistem em saber:

1 – Se se confirma a existência de contradição jurisprudencial;

2 – Na afirmativa, em que sentido deve ser fixada a uniformização de jurisprudência.

II. Fundamentação

1 – Da confirmação da contradição jurisprudencial

O artigo 688.º/1 do CPC estabelece como fundamento do Recurso para Uniformização de Jurisprudência que “as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.

Exige-se, assim, como pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a enunciada contradição dos julgados não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adotadas sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas, importando que as decisões, e não os respetivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, que haja sido objeto de tratamento e decisão, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, e que essa oposição seja afirmada e não subentendida ou puramente implícita; sendo ainda necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão.

Exige-se ainda, para o reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha” (neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil, de acordo com o Código de Processo Civil de 2013, Quid Juris, página 141).

É justamente o caso.

Ambos os acórdãos versam sobre o direito à indemnização, a favor de clientes de advogados, por danos decorrentes do incumprimento do contrato de mandato forense celebrado entre os cliente e os advogados, estando assim em causa, em ambos os acórdãos, a mesma questão de indemnização com fundamento em responsabilidade contratual, ou seja, a questão do preenchimento dos vários requisitos da responsabilidade civil contratual; questão esta para cuja solução ambos os acórdãos convocam o “mesmo regime normativo”: os arts. 798.º, 799.º e 562.º e ss. do C. Civil.

E, sem prejuízo dos pontos de convergência entre os dois Acórdãos, o certo é que a dado passo divergem, sendo tal divergência essencial e decisiva para, no Acórdão recorrido, se concluir pela total improcedência da ação e para, no Acórdão fundamento, o desfecho ter sido a procedência parcial da ação.

No centro da idêntica e fundamental questão de direito de ambos os acórdãos está a questão da indemnizabilidade do chamado dano da perda de chance ou de oportunidade processual, do seu reconhecimento, de jure condito, como um dano suscetível de ser ressarcido e, em caso afirmativo, em que termos.

E ambos os acórdãos convergem no sentido da sua indemnizabilidade e em considerar o dano da perda de chance como um dano autónomo, específico e diferente do dano final (dano esse consistente na perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável no processo em que foi cometida a falta/ilicitude por parte do mandatário).

O Acórdão fundamento afirma mesmo que “o ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela perda de chance ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a chance de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a omissão da ré, que privou o autor da chance de obter um resultado favorável, isto é, de conseguir a condenação do réu”; acrescentando, logo a seguir, que tal representa um “dano ou prejuízo autónomo”.

E, ainda identicamente, também ambos afirmam e defendem que, para ser indemnizável, tem o dano da perda de chance que ser consistente e sério.

Escreveu-se, a tal propósito, a dado passo do Acórdão recorrido, que se “[…] afigura razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado”; e no Acórdão fundamento, sem prejuízo de o fazer noutro enquadramento dogmático – ou seja, no plano do nexo causal e não, como no Acórdão recorrido, no plano do dano – não se deixou de observar que “a doutrina da perda de chance ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar a um prejuízo, foram reais, sérias e consideráveis, permitindo indemnizar as vítimas nos casos em que se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais”.

Porém, como resulta da transcrição constante do despacho de admissão liminar, considerou-se no final do Acórdão fundamento que, “atendendo a que se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, se pode passar à sua indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil) e, em linha com tal raciocínio, também se considerou que impende sobre os RR (advogada e respetiva seguradora) “o ónus de demonstrar que à improcedência da ação que o autor propôs […] fora absolutamente indiferente o facto de aquela não ter apresentado o requerimento probatório […], atento o preceituado pelo artigo 342.º, n.º 2, do CC.”

Entendimento final este do Acórdão fundamento que foi decisivo e essencial para os desfechos divergentes do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento.

Com efeito, no Acórdão recorrido, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluiu-se que não se podia dar como verificada a probabilidade – o grau de probabilidade e, principalmente, que ele fosse superior ao grau de improbabilidade – de sucesso do recurso de apelação (recurso esse que não havia sido admitido por falta do advogado, que tinha apresentado requerimento recursivo sem alegações) e por isso terminou-se a dizer que não havia sido feita “prova da perda de chance processual”.

Sendo, como é evidente do que vem de referir-se, que, aplicando-se o entendimento final do Acórdão fundamento ao Acórdão recorrido – à parte em que neste, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, se diz que não se pode dar “como verificada a elevada probabilidade de êxito do recurso de apelação” – se terminaria a conceder uma indemnização fixada com base na equidade; e o inverso: aplicando-se o entendimento do Acórdão recorrido ao Acórdão fundamento, terminar-se-ia, neste, a dizer que não foi feita prova duma chance suscetível de ser indemnizada (e, na ausência da prova do grau de probabilidade/improbabilidade, não se passaria à indemnização com base na equidade, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).

Enfim, estamos perante uma divergência que foi essencial e decisiva para as soluções/resoluções diferentes que os acórdãos deram a cada uma das causas, pelo que importa confirmar a existência da oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, nada havendo que obste à pretendida Uniformização da Jurisprudência.

2 – De facto

No Acórdão recorrido, a propósito dos factos provados e da respetiva apreciação, consignou-se, inter alia, o seguinte:

1 – A Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial… deu como provados os seguintes factos:

“1 – A 1º Ré é uma sociedade comercial detentora do direito de exploração e comercialização de água da nascente de um furo ou furos, no prédio rústico sito no…, freguesia e Concelho…, com a área de 16.250 m2, inscrito na respetiva matriz sob o art. 29 da secção U;

2 – O 1º R. edificou nesse prédio as instalações industriais a que se referem os processos 217/95 da Comissão de Coordenação da Região… do Ministério do Planeamento e da Administração do Território e processo de licenciamento de instalações industriais I – 6/95 da Câmara Municipal…;

3 – Os Réus CC e DD são os detentores da totalidade do capital social do 1º R., constituída no ano de 1992, o qual é de 104.748,006;

4 – O R. CC é detentor de uma quota no valor nominal de 79.808,00 e a R. DD de uma quota no valor nominal de 24.940,006;

5 – A gerência da 1.ª R. encontra-se a cargo de ambos os sócios, sendo bastante para obrigar a sociedade a assinatura de um dos gerentes.

6 – No dia 7/5/2004, no primeiro cartório Notarial…, compareceram CC, na qualidade de procurador de EE e FF e GG, em representação de Movilop – Imobiliária e Construção Civil, Lda., onde declararam que o primeiro outorgante vende, livre de ónus e encargos à segunda outorgante, pelo preço de sessenta mil euros, o prédio rústico, com a área de dezasseis mil, duzentos e cinquenta metros quadrados, composto de vinha e árvores de fruto, situado nos…, freguesia e Concelho…, descrito na Conservatória do Registo Predial… sob o número dezoito mil trezentos e vinte e cinco, no livro B – cinquenta e seis, que se encontra registado a favor do representado varão do primeiro outorgante, pela inscrição número vinte e seis mil oitocentos e sessenta, do livro G – setenta e três;

7 – Entre o final de 1998 e o início de 2002 o A., a solicitação do R. CC, entregou a este na qualidade de representante legal da 1.ª R., vários montantes não apurados, em montante total não inferior a 125.000,00(euro), em face da impossibilidade de aquela recorrer ao crédito bancário;

8 – Sobre os montantes entregues nos termos referidos no ponto anterior incidiam juros cuja taxa não foi apurada.

9 – Para garantia de pagamento do capital e juros foram entregues ao A. diversos cheques titulados pela 1.ª R. e pelo 2.º R..”

2 – Teve a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial… por reproduzido documento dos autos, datado de 4 de Fevereiro de 1999, no qual o Autor declara que as quantias tituladas pelos cheques (emitidos por CC) aí mencionados no valor total de 3.620.000$00 ((euro) 19.471,52) foram liquidadas em dinheiro.

3 – O Tribunal considerou, ainda, como provados os seguintes factos:

“11 – Os cheques cujas cópias se encontram a fls. 259, 260, 262, 263, 264, 265, 268, 269, 270, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 295 e 296, datados respectivamente de 23/3/2001, 2/5/2001, 4/5/2001, 14/05/2001, 18/5/2001, 30/5/2001, 8/65/2001, 10/6/2001, 12/6/2001, 3/7/2001, 26/7/2001, 30/7/2001, 1/8/2001, 4/8/2001, 14/8/2001, m14/8/2001, 20/11/2001 no valor total de 22.221.340$00 (119.525,76 (euro)), foram sacados sobre a conta da 1.ª R. e emitidos à ordem do A. (Documento 1) (cf. Doc. 3 que ora se junta e tem por integralmente reproduzido)

12 – A 1.ª R. preencheu e assinou os seguintes cheques, sacados sobre o…, balcão…, – …, que entregou ao A.:

– 000 datado de 26/10/2002, no valor de 20.000,00 (euro);

– 000, datado de 26/10/2002, no valor de 3.150,00 (euro);

– 000 datado de 26/ 10/2002, no valor de 125.000,006 (euro);

– 000, datado de 26/10/2002, no valor de 12.400,006 (euro);

– 000, datado de 25/5/2003, no valor de 12.400,006 (euro);

– 000, datado de 25/08/03, no valor de 12.400,006 (euro);

– 000, datado de 25/11/2003, no valor de 12.400,006 (euro);

– 000, datado de 24/02/2004 no valor de 12.400,00 (euro); (cf. Doc. 4 que se junta e tem por integralmente reproduzido)

13 – Os cheques identificados no ponto anterior foram devolvidos com a menção “extravio” (Documento 2); (cf. Doc. 4 já junto)

14 – O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

15 – Com a primeira entrega o A. requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respetivos juros;

16 – Para pagarem os empréstimos iniciais a 1.ª R. contraiu junto do A. outros empréstimos;

17 – O A. emprestou dinheiro a outras pessoas nos mesmos termos e condições referidas nos pontos anteriores.”;

4 – O Autor intentou ação de condenação sob a forma de processo ordinário, a qual correu os seus termos nas Varas de Competência mista do tribunal Judicial…, contra Águas de S. José Lda., CC e sua mulher, DD, no âmbito do processo 4998/06.7…, já transitado em julgado.

5 – Alegando, em síntese, que emprestara aos Réus (euro) 759.514,32, pedindo a condenação dos mesmos no pagamento da importância de (euro) 447.750,0, montante ainda em dívida, a que acresciam juros no valor de (euro) 72.315,68.

6 – Os Réus deduziram reconvenção, alegando haver pago ao Autor a importância de (euro) 693.102,79, pedindo a condenação daquele em danos patrimoniais e não patrimoniais.

7 – A sentença concluiu que a Ré estava obrigada a restituir ao Autor a quantia total de (euro) 125.000,00, a que acresciam juros remuneratórios e moratórios desde a citação até integral pagamento e ainda que, tendo a Ré pago ao Autor a quantia de (euro) 138.997,28 (pagamento ocorrido até 20 de Novembro de 2011), entregara, assim ao Autor quantia superior ao capital em dívida.

8 – Considerando, desta forma, que a obrigação da Ré para com o Autor se encontrava extinta pelo pagamento, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 1 do Código Civil.

9 – No que tange ao cheque n.º 000, o valor constante da Petição Inicial, é de (euro) 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros) e aquele que consta da matéria de facto provada é de (euro) 12.400,00 (doze mil e quatrocentos Euros).

10 – Perante os factos dados como provados na presente ação deve admitir-se que a sentença da Vara Mista… (na ação com o n.º 4998/06.7…, na qual o, aqui e ali, A. era patrocinado pelo aqui 1.º R.) padecia de erro de facto manifesto quanto ao valor do cheque n.º 000, datado de 26/10/2002.

Também se admite que a soma do valor dos oito cheques emitidos pelo réu da referida ação, CC, totalizava uma quantia superior àquela que a dita sentença reconheceu como estando em dívida.

Contudo, tal não basta para dar como verificada a elevada probabilidade de êxito do recurso de apelação na dita ação, no sentido de vir a Relação a reconhecer que o valor da dívida integrava o valor efetivo do referido cheque; nem tampouco no sentido de, como parece pretender o aqui Recorrente – ainda que com menor grau de convicção – vir a Relação a reconhecer que o valor total da dívida corresponderia, afinal, ao valor dos oito cheques preenchidos pelo réu CC, perfazendo a quantia de (euro) 447.750,00.

Com efeito, a relevância destes elementos (erro quanto ao valor do cheque n.º 000 e soma do valor dos oito cheques emitidos pelo réu da referida ação, CC) sempre estaria dependente da demais factualidade dada como provada pela sentença da Vara Mista…, assim como da interpretação de direito nela realizada.

A respeito da factualidade dada como provada na dita sentença há que ter presente o que, nesta ação, está dado como provado:

3 – Teve a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial… por reproduzido documento dos autos, datado de 4 de Fevereiro de 1999, no qual o Autor declara que as quantias tituladas pelos cheques (emitidos por CC) aí mencionados no valor total de 3.620.000$00 ((euro) 19.471,52), foram liquidadas em dinheiro.

4 – O Tribunal considerou, ainda, como provados os seguintes factos:

[…]

14 – O A. nunca entregava a totalidade do dinheiro que se propunha emprestar e fazia-o faseadamente;

15 – Com a primeira entrega o A. requeria a entrega de cheques no valor da totalidade do capital que se propunha emprestar e respetivos juros;

16 – Para pagarem os empréstimos iniciais a 1.ª R. contraiu junto do A. outros empréstimos

[…]

Temos assim que, de acordo com os factos dados como provados na sentença da Vara Mista…, os cheques em causa não eram representativos dos empréstimos contraídos pelo aí réu CC junto do (ali e aqui) autor, sendo emitidos em momento anterior à entrega das quantias mutuadas e por valor superior a estas, como forma de garantir a posição do mutuante e de assegurar o reembolso do capital e o pagamento dos juros.

Deste modo, compreende-se (cf. factos 8 e 9 da presente ação) que a sentença da Vara Mista… apenas tenha dado como provada a quantia mutuada confessada pelos aí réus, considerando, porém, ter a mesma sido extinta por pagamento. E, consequentemente, tendo julgado a ação improcedente.

A prova da probabilidade de sucesso do recurso de apelação a ser interposto pelo aqui 1.º R. dependeria assim da prova de que, em tal recurso, teria sido seguida uma estratégia impugnatória que levasse a Relação a, não apenas corrigir o evidente erro da matéria de facto (quanto ao valor do cheque n.º 000), mas também, e sobretudo, a dar como provado que os montantes mutuados (com ou sem os respetivos juros) correspondiam à soma do valor dos oito cheques. O que implicaria, naturalmente, que o A. tivesse feito prova da existência, na ação que deu origem à sentença da Vara Mista…, de outros meios de prova suscetíveis de pôr em causa os factos 14 a 16, dados como assentes na dita sentença.

Ora, o aqui A., ora Recorrente, tendo embora alegado alguns factos nesse sentido, não apenas não logrou prová-los como se conformou com a decisão relativa à matéria de facto da 1.ª instância, limitando-se – em sede do presente recurso de revista – a fundar a invocada defesa do sucesso do recurso de apelação (na ação n.º 4998/06.7.) única e exclusivamente na probabilidade de correção pela Relação dos referidos erros de facto. Correção que, repita-se, não seria, por si só, apta a alterar os factos 14 a 16 dados como provados na sentença da Vara Mista…, de acordo com os quais os cheques em causa não eram representativos dos empréstimos contraídos pelo aí réu CC junto do (ali e aqui) autor, sendo aqueles cheques entregues em momento anterior à efetivação dos empréstimos e por valor superior ao das quantias mutuadas, a fim de garantir a posição do mutuante e de assegurar o reembolso do capital bem como o pagamento dos respetivos juros.

*

3 – Quanto à uniformização jurisprudencial

Situa-se a contradição jurisprudencial sob uniformização, como resulta de tudo o que já foi referido, no âmbito da problemática do chamado dano da perda de chance processual (1).

Estamos em ambos os processos (em que se suscita a indemnização pelo dano da perda de chance) perante a falta de cumprimento de deveres profissionais por parte dum mandatário forense – no caso do Acórdão recorrido, o advogado não recorreu (2) e, no caso do Acórdão fundamento, não apresentou rol de testemunhas (3) – tendo em ambos os casos o resultado final dos processos, em que a falta do mandatário forense foi cometida, acabado por ser desfavorável aos respetivos mandantes.

E não se diz que, sem tais faltas imputáveis aos mandatários, o resultado final dos processos seria favorável aos mandantes, mas sim e “apenas” que estes, em face de tais faltas, perderam “chances” de ganhar (4) os processos.

Admite-se pois – é o ponto de partida – que não se consegue afirmar, com absoluto rigor, qual seria o resultado dos processos caso os advogados tivessem procedido diligentemente, mas invoca-se que os mandantes, em razão de tais faltas, perderam “hipóteses” de ganhar os processos.

Em face de tal incerteza sobre qual seria, sem as faltas dos advogados, o resultado dos processos, quer a doutrina (5), quer a jurisprudência (6), começaram por ir no sentido de recusar o ressarcimento do dano da perda de chance (da perda da oportunidade de ganhar um processo): para haver obrigação de indemnizar – argumentava-se e ainda se argumenta – o dano a ressarcir tem que ser certo, o que não acontece na perda de chance, que tem como característica essencial haver uma incerteza, também no futuro, sobre a existência do dano, na medida em que não é possível determinar com segurança qual seria a situação hipotética do lesado que existiria caso não se tivesse verificado o evento lesivo; por outro lado – argumentava-se e ainda se argumenta – tal incerteza também não permite que se possa dizer que existe nexo causal entre o facto lesivo (no caso, a falta do advogado) e o resultado final desfavorável do processo (não se pode dizer que sem o facto lesivo o resultado final desfavorável não teria ocorrido).

Argumentos que indicam que a incerteza, característica da perda de chance, acaba por dizer respeito quer ao nexo causal quer ao dano, o que é inteiramente compreensível, na medida em que a questão da causalidade se coloca sempre em conexão com um determinado dano e visto que será o critério da causalidade que determinará qual a situação hipotética que existiria se não se tivesse verificado o dano.

Argumentos que conduziam a que um mandatário que não agisse com a devida diligência (que não intentou a ação, que não a contestou, que não apresentou o rol ou que não apresentou recurso) escapasse à responsabilidade e – é o aspeto que perturba o “sentido de justiça” – com o fundamento em se desconhecer (ser incerto) qual teria sido o desenrolar e o desfecho normal do processo caso ele tivesse tido o comportamento devido, sendo que foi exatamente a circunstância de ele ter tido tal comportamento indevido (a sua conduta ilícita) que impediu o desenrolar e o desfecho normal que determina a incerteza que agora se invoca para recusar o ressarcimento da perda de chance.

Justamente por isto – para repor a justiça – foram-se desenhando abordagens tendentes a evitar que tais eventos lesivos escapem, de todo, às malhas da responsabilidade civil, não obstante a incerteza sobre o que teria acontecido (depois de tais eventos lesivos).

Sendo a mais difundida a que autonomiza o dano da perda de chance (7), ou seja, nos casos das “perdas de chances processuais”, o dano não estará no resultado final desfavorável do processo (no não ganhar ou no perder o processo), mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de ganhar ou de não perder o processo), decorrente do evento lesivo do mandatário e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano intermédio (em relação ao dano final): o dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso (e não o dano final do resultado desfavorável do processo).

Segundo esta abordagem, a perda de chance é um prejuízo cujo objeto consiste no desaparecimento duma chance preexistente, que constituía já, enquanto chance, um elemento do património do lesado (8), sendo apresentada como um prejuízo especial, certo e distinto do dano final.

O que, assim configurado o dano da perda de chance, como dano autónomo e emergente (9), suscita a objeção duma tal perda de oportunidade não passar ainda duma “expetativa/esperança” e, por isso, não se poder dizer que constitui uma situação que “integre o património ou a esfera jurídica do seu titular e que [possa] ser alienada autonomamente (10)”, não podendo ser qualificada como um dano autónomo (11).

Daí que, numa segunda abordagem (igualmente tendente a responsabilizar tais eventos lesivos) (12), a oportunidade perdida (a perda de chance) seja considerado como afim do lucro cessante: diz-se que o dano provocado pelo evento lesivo ocorre no futuro e do que se trata, na perda de oportunidade, é duma antecipação do dano final, observando-se, criticamente, que “não se vislumbra, normalmente, qualquer indício quanto à fixação de um valor patrimonial autónomo da perda de chance, sendo este, via de regra, decalcado dos lucros cessantes (ou do prejuízo que poderia ter sido evitado) […], pelo que não está em causa um valor patrimonial próprio, mas simplesmente uma fração ou antecipação de lucros cessantes relativamente incertos” (13).

Não pode pois dizer-se que seja pacífico, sequer entre os defensores da indemnização pelo dano da perda de chance, o modo de enquadrar dogmaticamente a perda de chance e, em particular, a sua caracterização/qualificação como dano emergente ou lucro cessante.

O que até se compreende, face à nem sempre clara distinção entre dano emergente e lucro cessante (14), importando notar que a nossa lei (art. 564.º/1 do C. Civil) menciona tal binómio para querer dizer que ambos os danos são ressarcíveis, pelo que até se poderá dizer que, entre nós, não é absolutamente indispensável tomar partido na querela sobre a qualificação do dano da perda de chance como dano emergente ou como lucro cessante.

O que é imprescindível – face ao papel central que o mesmo desempenha na responsabilidade civil (como, entre nós, resulta dos arts. 483.º/1, 798.º, 227.º/1 e 562.º, todos do C. Civil) – é que haja dano, condição essencial, limite e escopo da obrigação de indemnizar, o que leva a que repetidamente se diga que a responsabilidade civil tem uma função essencialmente reparatória/ressarcitória (sendo acessória e subordinada a sua função preventiva ou sancionatória).

Dano que, não contendo a nossa lei uma noção ou definição legal, pode ser definido como toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, como “a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, como a lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente como uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante por ser tutelada pelo Direito” (15); pelo que, sendo assim, não existirá obstáculo a poder qualificar a perda de chance (a perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo) como um dano suscetível de poder ser indemnizado (seja como elemento patrimonial pré-existente no património do lesado, o mesmo é dizer como dano autónomo e emergente, distinto do dano final, seja como uma antecipação do dano final e por isso um lucro cessante).

É certo que as “chances” são algo que não existe “empiricamente” – não podem ser alienadas enquanto tal e não há mercado para as chances processuais, podendo até dizer-se que, em certas situações (16), a única utilidade que pode retirar-se duma chance é a resultante do desfecho final favorável – porém, em certos casos, são uma posição favorável na esfera jurídica do lesado e têm, fora de qualquer dúvida, valor, pelo que o modo abrangente como o art. 564.º do C. Civil apresenta os danos que são suscetíveis de ser indemnizados não afasta a possibilidade da perda de chance poder ser qualificada como um dano, seja um dano em si (distinto do dano final) ou seja uma “fração” do dano final.

Sendo que o que aqui tem relevo – e é o gérmen da contradição jurisprudencial que suscita a presente uniformização – é saber se toda e qualquer perda de chance pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.

Como acima foi referido – a propósito da confirmação da contradição jurisprudencial – ambos os acórdãos convergem no sentido do dano da perda de chance ser indemnizável (17) e, mais ainda, também convergem em qualificar tal dano como dano autónomo e emergente, iniciando-se a contradição jurisprudencial no momento seguinte e em saber, repete-se, se toda e qualquer perda de chance pode/deve ser reconhecida como um dano indemnizável ou se só uma perda de chance consistente e séria configura um dano (por perda de chance) indemnizável.

E estamos a ir um pouco atrás, ao percurso feito pelo dano da perda de chance no sentido da sua indemnizabilidade, por o mesmo apontar, com todo o respeito por opinião diversa, para o entendimento seguido no Acórdão recorrido.

Como refere Paulo Mota Pinto (18), “mesmo no direito francês, não obstante a larga projeção que a figura da perda de chance aí alcançou, para que a respetiva indemnização seja admitida, impõem-se determinados requisitos. Além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, que a chance a indemnizar seja real e séria. Não basta, assim, a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético […].”

[…] “E também em Itália – a ordem jurídica em que a perda de chance processual tem assumido mais relevância, além da França – o ressarcimento pela perda de chance depende segundo a orientação tradicional, na sua própria existência, do grau de probabilidade de materialização da vantagem a que ela se refere […] A orientação tradicional da jurisprudência italiana vai, todavia, no sentido de referir a indemnização ao dano final, ou seja, à perda da vantagem potencialmente adveniente para o lesado, exigindo a verificação do nexo causal entre esse dano e o ilícito praticado”.

Assim deve ser também entre nós.

A responsabilidade civil, como já se referiu, tem em vista “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cf. art. 562.º do C. Civil), visando, no caso, colocar o lesado/mandante na situação em que ele se encontraria se não fosse o ato lesivo do seu mandatário, razão pela qual, é pacífico, o dano causado pela perda de chance não poderá ser superior ao direito que o seu representado tinha originariamente, ou seja, caso este direito (do representado) não existisse ou não tivesse qualquer consistência, não haverá (não pode haver) qualquer dano pela perda de chance suscetível de ser indemnizado.

E é aqui que, sendo a perda de chance caraterizada pela incerteza (sobre qual teria sido o desenrolar regular do processo), que mais se fazem sentir as críticas contra a indemnização pelo dano da perda de chance, na medida em que, argumenta-se, não respeitará nem a exigência de certeza que o dano indemnizável tem que revestir nem o “mínimo exigível” em termos de nexo de causalidade, antes aceitando, contra a doutrina da causalidade adequada (consagrada, entre nós, no art. 563.º do C. Civil), uma graduação probabilística do nexo de causalidade.

Para um dano ser indemnizável, exige-se, concorda-se, que o mesmo seja certo e não meramente eventual, porém, observa-se, a certeza de que se fala e que deve ser exigida não é matemática ou absoluta, mas apenas uma certeza relativa, que se deve contentar com uma expetativa razoável.

Se, como é o caso, em razão do comportamento indevido dum mandatário, o desenrolar e o desfecho normal dum processo não aconteceu e nem alguma vez acontecerá, não pode exigir-se que o dano decorrente de tal comportamento indevido seja objeto de uma certeza absoluta, ou seja, a certeza sobre a realidade hipotética do que não chegou a verificar-se tem sempre que se situar no domínio das probabilidades (das certezas relativas).

A aferição dum tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano.

E do “hipotético”, do que não aconteceu e nunca acontecerá, do que depende de diversas variáveis e imponderáveis, poderá sempre dizer-se que não há certezas, que se está a ficcionar e que um qualquer juízo de prognose será sempre aleatório, porém, não é este o plano em que o direito se move para validar um juízo de prognose, antes se bastando com a satisfação das exigências colocadas pela teoria da causalidade adequada.

Em cuja consagração legal – constante do art. 563.º do C. Civil, em que sob a epígrafe “nexo de causalidade” se dispõe que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – se usa até uma formulação que introduz um juízo de probabilidade ou verosimilhança, o mesmo é dizer de “flexibilidade”.

Teoria da causalidade adequada cujo objetivo é excluir a imputação de danos que tenham ocorrido devido a um encadeamento de circunstâncias completamente invulgar e que, dum ponto de vista hipotético, não eram de esperar, a ponto de, como é sabido, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos e culposos (como é o caso), ser considerada “preferível” a sua formulação negativa, o que significa que para a imputação objetiva dum dano à conduta do lesante será suficiente, em princípio, que a respetiva concretização não se encontre fora de toda a probabilidade.

“Desde que […] o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do sentido normal dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo […] recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano. Esta inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado. Só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais […] repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao […] agente como causa adequada do dano” (19).

Enfim, as exigências colocadas, em termos de nexo causal e de causalidade adequada, podem ter, atentas as características dos danos que estiverem em causa, diferentes níveis de intensidade, bastando-se com uma possibilidade séria e significativa quando, como é o caso, está em causa a imputação dum resultado hipotético, ou seja, dum resultado que não aconteceu nem alguma vez acontecerá (20).

Como já é feito – sem que suscite críticas, por violação da teoria da causalidade adequada consagrada no referido art. 563.º do C. Civil – com certos danos que vêm sendo considerados como futuros, designadamente, quando se arbitra, a alguém que foi lesado na sua integridade física, indemnização pela frustração duma hipotética promoção profissional (que não aconteceu nem acontecerá, por causa da referida lesão), frustração/dano este baseado num juízo de probabilidade suficiente alicerçado nos atinentes indícios factuais.

É verdade que o Direito (a ciência jurídica) não é, na sua interpretação e aplicação, uma ciência exata e que não pode afirmar-se com certeza absoluta qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal”, porém, isso não significa que não se possa estabelecer/demonstrar, a partir de todos os elementos e circunstâncias disponíveis, que um concreto processo judicial (caso tivesse decorrido ou tivesse decorrido normalmente) tinha consistentes chances de vir a obter vencimento e que, por via disso, não se possa concluir que a chance perdida era, fora de qualquer dúvida, uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda se traduz num dano.

E isto – esta demonstração – configura uma certeza relativa e conforma uma possibilidade séria/significativa que vai permitir imputar tal certeza relativa ao facto/evento lesivo (que fez com que o processo judicial não se desenrolasse ou que decorresse “anormalmente”).

Poderá objetar-se, criticamente, que se substitui a prova dum prejuízo certo, traduzido no vencimento não conseguido do processo, pela demonstração da perda duma “chance” com determinada probabilidade de certeza relativa e que é tal probabilidade que acaba por afirmar ao mesmo tempo a existência do dano e o nexo de imputação do dano ao facto/evento lesivo.

Mas não há outro modo de sair da “aparente contradição” que o dano da perda de chance coloca: não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal” (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda).

É a esta última certeza que o tribunal não pode fechar os olhos – há que reconhecer a “complexidade do real” e procurar, nos limites da ordem jurídica, uma resposta que seja normativamente congruente e que evite a manutenção de zonas francas de irresponsabilidade – tendo que a considerar como tutelada pelo direito e indemnizável de acordo com os princípios e regras do nosso atual direito de responsabilidade civil, ou seja, respeitando quer a finalidade essencialmente ressarcitória/reparatória da indemnização civil quer a proibição do enriquecimento do lesado à custa do lesante.

O que – no balanço entre as exigências colocadas pela “vida real” e o respeito pelas regras de Direito vigente, tendo sempre presentes as consequências e os efeitos práticos da aplicação deste – determina, repete-se, que a uniformização jurisprudencial se deva fazer no sentido do Acórdão recorrido.

A certeza do dano e a imputação objetiva deste ao ato lesivo (nexo causal), requisitos exigíveis segundo os princípios e regras do nosso direito de responsabilidade civil (21), não dispensam que se apure, caso a caso, a suficiente probabilidade da consistência e seriedade da concreta “chance” processual comprometida.

A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem, em linha com o que se referiu, que a “chance”, para poder ser indemnizável, seja “consistente e séria” e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente e não com carácter meramente hipotético.

Só assim a “chance” preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou.

Significa isto que a toda a chance ou oportunidade perdida (a todo o ato lesivo e a todo processo perdido) não se segue, como que automaticamente e sem mais, uma indemnização por dano da perda de chance: a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar.

Assim como se argumenta, para recusar o dano da perda de chance, que o desfecho dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar é uma certeza indemonstrável, também há quem afirme, no polo oposto, que um processo judicial não se acha perdido de antemão e que a mera pendência processual constitui um fator de pressão sobre a contraparte, pelo que, independentemente das circunstâncias concretas de tal processo e da sua prova, sempre, ocorrendo ato lesivo, haveria que conceder indemnização por dano da perda de chance.

Mas, com todo o respeito, não pode ser: à luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil, só uma “chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir a certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo ato lesivo) ser considerado provável.

Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que, por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exatamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da ação comprometida.

Uma “chance” puramente abstrata e especulativa – isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade – não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as “perdas de chance” que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida.

Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência (22).

Como no início admitimos, a incerteza, característica da perda de chance, acaba por dizer respeito quer ao nexo causal quer ao dano, pelo que pode objetar-se que uma coisa é o mínimo de relevância/consistência que a chance deve ter e outra, diversa, o limiar mínimo de prova necessária (o mínimo de standard probatório de probabilidade suficiente) para considerar demonstrado o nexo causal entre o facto lesivo e o resultado/dano e, nesta linha de raciocínio, a exigência percentual poderia ser superior em relação ao standard probatório (de probabilidade suficiente) e poderia ser inferior para se afirmar a seriedade e consistência da chance.

Mas, sem prejuízo da devida ponderação casuística (23), não parece que, no que diz respeito às perdas de chances processuais, tal distinção deva ser estabelecida, atenta a conexão entre o dano e o nexo causal, sendo a probabilidade deste que confere consistência à chance e esta consistência que alicerça o standard probatório.

Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (como acontece no caso do processo do Acórdão fundamento e no caso deste processo) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.

Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.

Apreciação/decisão hipotética em que, sendo assim, se procurará, num juízo de prognose póstuma, reconstituir, para efeitos da possível indemnização do dano da perda de chance, o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário, com o que, concluindo-se que o processo teria tido uma suficiente (no referido limiar mínimo) probabilidade de sucesso, se estará também a concluir ter sido o evento lesivo conditio sine qua non (requisito mínimo da causalidade jurídica) do dano.

Apreciação/decisão hipotética que acabará também por relevar para o quantum indemnizatório, uma vez que a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida e este valor será o reflexo do grau de probabilidade da perda de chance em relação à vantagem que se procurava e se perdeu em definitivo (24).

Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este – face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) – que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria).

Não se ignora que tal apuramento – tal “julgamento dentro do julgamento” – nem sempre será fácil, havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão recorrido) a falta do mandatário na não interposição de recurso de apelação, poderá ser relativamente acessível averiguar, com elevada probabilidade, o desfecho que o processo teria tido sem tal falta do mandatário; e havendo casos em que, traduzindo-se (como no Acórdão fundamento) a falta na não apresentação tempestiva do requerimento probatório, será bem menos acessível estabelecer o desfecho que o processo (dependente de prova que não foi produzida) teria tido sem a falta do advogado.

Tanto mais que, repete-se, no incidental “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose póstuma que é, o que se pretende alcançar é a prova da decisão hipotética que o processo teria tido sem a falta do mandatário (tendo em vista reconstruir a situação hipotética que, sem tal falta, existiria), ou seja, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão (25), uma vez que, insiste-se, o que está verdadeiramente em causa, em termos de configuração jurídica, é a reconstituição do curso hipotético dos acontecimentos sem o evento/facto lesivo (reconstituição de que a decisão hipotética do processo, na perspetiva do tribunal que teria decidido o processo, é instrumental) (26).

Não sendo isto iludível (a dificuldade em averiguar, em certos casos, a decisão hipotética), o certo é que o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil – a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado – não podem ser afastados, ainda que tal obste a uma responsabilidade generalizada das perdas de chance processual.

A violação de deveres específicos – voluntária e contratualmente assumidos – dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar – seja fácil ou difícil – a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.

Questão diferente e a jusante da prova da existência de dano (da prova da consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), é a já referida questão da avaliação e fixação do quantum indemnizatório devido em caso de perda de chance consistente e séria.

Podendo dizer-se, aqui chegados, que será um pouco sofístico, com todo o respeito, invocar que pela teoria da diferença, consagrada entre nós no art. 566.º/2 do C. Civil, não se vê sequer onde esteja o dano, uma vez que, segundo tal teoria, o dano resultará da diferença entre o valor atual do património após o ato lesivo e o valor hipotético que o património deveria ter se o ato lesivo não se tivesse verificado e, justamente por isto, recorrendo à teoria da diferença, observa-se (um pouco sofisticamente) que as “chances” perdidas não se encontram no património atual do lesado e também não constariam no seu património hipotético, porque ou se teriam concretizado no benefício ou teriam de todo desaparecido.

O que sucede é que a teoria da diferença, enquanto método de quantificação do dano patrimonial (e não tanto para apurar da sua existência), não serve para quantificar um dano com as características do dano da perda de chance, razão pela qual há quem entenda (27) que talvez seja preferível, em certas situações de perda de chance processual, sustentar que o cliente/mandante sofreu “uma incompreensível indignação pela ligeireza e leviandade com que o seu caso foi tratado” e, por isso, um dano não patrimonial a indemnizar equitativamente.

São coisas diferentes – ao lado dum dano patrimonial da perda de chance processual, pode existir uma dano não patrimonial decorrente da ansiedade que o incumprimento dos deveres pelo mandatário possa ter causado – devendo, todavia, reconhecer-se a dificuldade da prova do montante do dano da perda de chance, a dificuldade em quantificar a exata probabilidade de sucesso da chance/oportunidade de ganho do processo, o que por certo levará a que, em muitos casos, haja lugar à fixação equitativa, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, dum montante indemnizatório pelo dano da perda de chance; reparação por recurso à equidade que, no seguimento de tudo o que se referiu, só poderá acontecer – enfatiza-se especialmente, uma vez que é exatamente neste ponto que está o fulcro da divergência e contradição jurisprudenciais – após, no seguimento/termo do incidental “julgamento dentro do julgamento”, se ter concluído pela consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, após ter-se considerado provada a probabilidade suficiente (no referido limiar mínimo) de existência dum dano de chance indemnizável (sabido que a indemnização equitativa dum dano pressupõe que o dano está provado, ou seja, no caso, que a consistência e seriedade do dano da perda de chance está previamente provada, apenas se desconhecendo o valor exato do mesmo).

Probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável que se perdeu (a tal chance consistente e séria), que há de extrair-se da factualidade alegada e provada pelo lesado, pelo que, sem tal factualidade, fica o tribunal (que julga o pedido de indemnização com base na perda de chance) sem elementos para poder concluir pela existência do dano da perda de chance, não podendo/devendo sequer passar ao momento seguinte respeitante à quantificação da indemnização.

Como refere Patrícia Cordeiro da Costa (28), “a chance indemnizável não é […] uma chance abstrata e filosófica, no campo das possibilidades gerais, mas uma chance séria, concreta e consistente, apoiada numa probabilidade igualmente séria e consistente de ocorrência da vantagem perdida não fora o facto ilícito. Sob pena de se transformar a perda de chance num mecanismo de atribuição irrestrita de indemnizações, bastando a presença de uma mera suspeita de probabilidade, a ação de indemnização deve ser preparada, em termos de alegação de facto e de produção de prova, de forma a que o tribunal, na decisão a tomar, tenha dados de facto suficientes para, desde logo, concluir pela existência duma chance séria. […] A indemnização pela chance perdida depende da prova efetiva da existência de uma chance séria […]”

“A intervenção do art. 566.º/3 do C. C. só pode operar num momento em que o tribunal já estabeleceu a existência de uma chance séria e consistente, ainda que num intervalo de probabilidade mínima e máxima, mas permitindo o limite mínimo desse intervalo afirmar a existência de uma chance séria, faltando apenas quantificar a indemnização. Se persiste a dúvida quanto à existência de uma chance e à seriedade da mesma, o art. 566.º/3 não pode ser convocado para, com recurso à equidade, resolver um problema de falta de prova, nomeadamente em termos salomónicos. Esta norma destina-se a estabelecer um critério de quantificação da indemnização, não da prova dos factos.”

Assim, em casos como o do Acórdão fundamento, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano (29), à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).

É quanto basta para, concluindo, afirmar:

Que – respondendo à proposta de uniformização constante do Parecer do M. P – não é ao lesante que cabe provar que a chance não era consistente e séria (30), uma vez que, repete-se, a consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da perda de chance suscetível de indemnização, ou seja, a consistência e seriedade preenche um dos requisitos exigidos pelo instituto jurídico (responsabilidade civil) em que o lesado alicerça o seu direito, sendo constitutivo (não é impeditivo) do direito invocado.

Que – respondendo ao recorrente – para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar), uma vez que, repete-se, segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito.

Que a solução acolhida no Acórdão recorrido – em que se concluiu que a prova da probabilidade de sucesso do recurso de apelação (não interposto) dependia, sobretudo, da prova dos montantes efetivamente mutuados pelo aqui A. (ou seja, que os 8 cheques identificados no ponto 12 dos factos provados exprimiam o reembolso de valores efetivamente mutuados), prova esta que não foi feita nestes autos pelo aqui A./recorrente e em que, por isso, se terminou a dizer que, sem isso, sem tal prova da probabilidade de sucesso, não havia sido feita “prova da perda de chance processual” e se negou a revista – é, para as situações jurídicas geradas pela inobservância dos deveres decorrentes do mandato forense, a adequada de jure condito (é a que respeita a interpretação e aplicação das normas substantivas convocáveis: arts. 798.º e 562.º e ss. do C. Civil) e por isso impõe-se confirmar tal acórdão e uniformizar a jurisprudência no sentido seguido no mesmo.

*

III – Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes que constituem o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Confirmar o Acórdão recorrido;

b) Estabelecer a seguinte uniformização:

“O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”

Custas pelo recorrente.

Notifique e oportunamente remeta certidão do acórdão para publicação na 1.ª série do Diário da República.

(1) Não estão pois em causa os outros grupos de casos que também convocam a doutrina da perda de chance, como a perda de chance de cura ou de sobrevivência ou contextos tão diversos como os jogos de azar, as competições desportivas ou os procedimentos de progressão na carreira profissional.

(2) Mais exatamente, limitou-se a apresentar um requerimento recursivo sem alegações, o que não foi admitido como requerimento de interposição de recurso.

(3) Mais rigorosamente, o rol que apresentou foi considerado extemporâneo e mandado desentranhar.

(4) Era de ganhar, uma vez que ambos os mandantes eram autores.

(5) Entre nós: Júlio Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, Direito e Justiça, 2005; “Em torno do dano da perda de chance: algumas reflexões”, estudos em Homenagem ao Prof. Castanheira Neves. Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. II, pág. 1103/7, nota 3.103; “Perda de Chance Processual”, Direito Civil, Estudos, pág. 763 e ss.. Rui Cardona Ferreira, “Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance (em especial na contratação pública), pág. 329 e ss., “A perda de chance na responsabilidade médica”. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 2014, pág. 288.

(6) Cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 22/10/2009 (processo 409/09.4YFLSB), de 29/04/2010 (processo 2622/07.0TBPNF.P1.S1), de 26/10/2010 (processo 1410/04.OTVLSB.L1.S1), de 29/05/2012 (processo 8972/06.5TBBRG.G1.S1), de 18/10/2012 (processo 5817/09.8TVLSB.L1.S1), de 05/02/2013 (processo 2035/05.8TVLSB.L1.S1) e de 30/05/2013 (processo 2531/05.7.TBBRG.G1.S1), todos disponíveis na internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

(7) Com larga projeção em França – cf. Júlio Gomes, in “Sobre o dano da perda de chance”, pág. 15 e 21 e ss. – onde a figura da “Perda de Chance” teve historicamente a sua génese, com a decisão da Cour de Cassation de 17/07/1889.

(8) O dano da perda de chance é uma espécie de lesão duma “propriedade anterior”.

(9) Se a chance já fazia parte do património do lesado, a sua perda tem que ser juridicamente qualificada como um dano autónomo e emergente.

(10) Paulo Mota Pinto, “Perda de Chance Processual”, pág. 768.

(11) Em linha com a noção de património: como referia Carlos da Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., pág. 342, “[…] só fazem parte do património as relações jurídicas suscetíveis de avaliação pecuniária; esta pecuniaridade pode resultar do valor de troca do direito, por este ser alienável mediante uma contraprestação, ou do valor de uso, traduzido em o direito, não sendo permutável, proporcionar o gozo de um bem, material ou ideal, que só se obtém mediante uma despesa.”

(12) Com mais projeção em Itália, cf. Rui Cardona Ferreira, “A perda de chance revisitada”, in ROA, ano 73, n.º 4, pág. 1304/5.

(13) Rui Cardona Ferreira, “A perda de chance revisitada”, in ROA, ano 73, n.º 4, pág. 1312.

(14) Distinção em que parece ser preferível um critério jurídico (mais amplo que o económico), que dependerá do apuramento dos elementos que integravam já o património do lesado, correspondendo assim os danos emergentes à subtração de utilidades já existentes no património do lesado, enquanto os lucros cessantes correspondem a novas utilidades que o lesado teria presumivelmente conseguido se não se tivesse verificado o facto ilícito ou o incumprimento, ou seja, a distinção entre dano emergente e lucro cessante tem a ver com a circunstância de serem atingidos bens que eram já do lesado e bens que este apenas esperava vir a adquirir, tomando como referência a data do ato lesivo (ao contrário da distinção entre danos presentes e danos futuros, que tem como referência a data da atribuição da indemnização); critério de difícil aplicação quando estão em causa expetativas jurídicas.

(15) Cfr. Ac STJ de 09/07/2015, in CJ, 2015, Tomo II, pág. 164.

(16) O que é muito evidente noutros grupos de casos em que a doutrina da perda de chance se tem colocado, como, v. g., no caso dum trabalhador que, num concurso de promoção, é ilicitamente afastado ou prejudicado.

(17) Em linha com os desenvolvimentos mais recentes da nossa jurisprudência e doutrina. Na jurisprudência deste STJ (entre outros): Acórdãos de 28/09/2010 (processo 171/2002.S1), de 10/03/2011 (processo 9195/03.0TVLSB.L1.S1), de 14/03/2013 (processo 78/09.1TVLSB.L1.S1), de 30/09/2014 (processo 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1) de 30/04/2015 (processo 338/11.1TBCVL.C1.S1), de 09/07/2015 (processo 5105/12.2TBXL.L1.S1), de 24/03/2017 (processo 389/14.4T8EVR.E1.S1), de 19/12/2018 (processo 1337/12.1TVPRT.P1.S1), de 10/09/2019 (processo 1052/16.7T8PVZ-P1.S1), de 07/10/2020 (processo 2036/17.3T8VRL.G1.S1), de 16/12/2020 (processo 17592/16.5T8SNT.L1.S1) e de 16/12/2020 (processo 1976.4T8VRL.G1.S1) todos disponíveis na internet – http://www.dgsi.pt/jstj. Na doutrina: Rute Teixeira Pedro, “A responsabilidade civil do médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado”, FDUC, Centro de Direito Biomédico, 2008, pág. 179 a 236. Carneiro da Frada, “Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, pág. 104/5. Júlio Gomes, “Ainda sobre a figura do dano de perda de oportunidade ou perda de chance”, Cadernos de Direito Privado, Dez. 2012. Rui Cardona Ferreira, “A perda de chance revisitada”, ROA, ano 73, n.º 4. Patrícia Cordeiro da Costa, “Dano da Perda de Chance e a sua perspetiva no Direito Português”, “A Perda de Chance – dez anos depois”, Julgar, Set.-Dez, 2020. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado”, pág. 98/9.

(18) In “Perda de Chance Processual”, pág. 799/802.

(19) Antunes Varela, “Obrigações em Geral”, Vol. I, 10.ª ed., pág. 894.

(20) Como quer que consideremos a perda de chance – ou como um dano emergente ou como um lucro cessante – o certo é que a sua existência como dano e o respetivo nexo de causalidade se estabelecem por reporte a um hipotético resultado final.

(21) Além, claro, do facto voluntário do lesante, da ilicitude e da culpa, requisitos que aqui não estão em causa.

(22) Abaixo de tal limiar mínimo – especialmente em casos com pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida – acabaria por se estar a aceitar, ao arrepio da lei, uma responsabilidade civil com cunho essencialmente preventivo/sancionatório.

(23) E doutro poder ser o entendimento, quando estiverem em causa outros grupos de casos em que a doutrina da indemnização do dano da perda de chance também é colocada, como sucede no caso da chamada perda de chance de cura ou de sobrevivência.

(24) Mesmo quem reconhece o dano da perda de chance como dano autónomo, acaba a admitir, em sede de cálculo, que o mesmo depende da verificação e extensão do dano final.

(25) E não se trata, ao contrário do que pode parecer, duma distinção especiosa e artificial: basta que esteja em causa uma questão jurídica em que houve, entre o processo e a ação de indemnização, uma inversão da corrente jurisprudencial dominante (o caso tratado no acórdão deste STJ de 30/04/2015, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, é um exemplo da relevância prática de tal distinção).

(26) Daí que se esteja, na apreciação/decisão hipotética feito no “julgamento dentro do julgamento”, perante uma questão que, maioritariamente, vem sendo entendido como sendo essencialmente uma questão de facto: o que importa para a responsabilização civil do advogado pelo dano da perda de chance não é saber qual é a decisão correta do processo que foi comprometido, mas sim apurar como ele teria sido na realidade decidido.

(27) Júlio Gomes, “Ainda sobre a figura do dano de perda de oportunidade ou perda de chance”, Cadernos de Direito Privado, Dez. 2012, pág. 29.

(28) In “A perda de chance – dez anos depois”, in Julgar, Set-Dez, 2020, pág. 168/9 e 167.

(29) Não foi apenas o exato valor do dano que não se provou, foi, antes disso, o próprio dano que não se provou.

(30) Teria que ser assim, na negativa, e não na positiva como consta do Parecer do MP: se o ónus da prova fosse do lesante, não seria a consistência e seriedade que ele então teria que provar, mas o contrário, ou seja, a ausência de tal consistência e seriedade.

Lisboa, 05 de Julho de 2021. – António Barateiro Martins.

Nos termos do art. 15-A, do DL. n.º 10-A/2020 de 13-03, aditado pelo art. 3.º do DL. n.º 20/2020 atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes Conselheiros: Fernando Batista de Oliveira, José Manuel Cabrita Vieira e Cunha, Luís Filipe Castelo Branco do Espírito Santo, Fernando Manuel Pinto de Almeida, José Inácio Manso Rainho, Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão, Maria Rosa Oliveira Tching, Maria Graça Lima de Figueiredo Amaral, Maria Olinda da Silva Nunes Garcia, Fernando Augusto Samões, Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Nuno Manuel Pinto Oliveira, António José Moura de Magalhães, Ricardo Alberto Santos Costa, Fernando Jorge Dias, José Maria Ferreira Lopes, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Manuel José Pires Capelo, Tibério Nunes da Silva.

Jorge Arcanjo

Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza

António dos Santos Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Soares Gomes

Pedro de Lima Gonçalves

Maria do Rosário Morgado

Fátima Gomes

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Votei o projecto, ainda que considere que deveria evitar-se uma adesão tão completa a uma particular construção dogmática, como seja a doutrina da perda de uma chance)

Maria Clara Sottomayor (Voto o acórdão de acordo com a declaração que junto)

Ana Paula Boularot (Vencida nos termos da declaração que junto)

Graça Amaral (Vencida, quanto à questão da admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, por considerar não se verificar o fundamento contradição de acórdãos nos termos do voto de vencida da Conselheira Ana Paula Boularot, pelo que não conheceria do respectivo objecto)

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Declaração de voto

1 – Voto vencida quanto à admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, por entender que, embora o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sigam caminhos argumentativos em alguns aspetos distintos, no essencial, exigem requisitos semelhantes para estarmos perante um caso de responsabilidade civil do advogado pelo dano de perda de chance, na medida em que, quer o acórdão fundamento, quer o acórdão recorrido, exigem a seriedade do dano da perda de chance e um grau de probabilidade elevada de sucesso no “julgamento do julgamento” para estarmos perante um dano de perda de chance indemnizável. Diferenças terminológicas ou semânticas das palavras utilizadas por cada um dos acórdãos na fundamentação, ou excursos doutrinais, constituem apenas obiter dictum, sem relevo para a decisão do caso.

A única diferença técnica encontrada na fundamentação dos dois acórdãos, mas insuficiente para se poder afirmar que estamos perante uma oposição de julgados, consiste na circunstância de o acórdão fundamento, após afirmar, tal como o acórdão recorrido, que o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil (com exceção da culpa que se presume em caso de violação do contrato de mandato – artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), cabe ao lesado, acrescenta que, nos casos em que o autor cumpra o ónus que lhe competia de provar os requisitos da responsabilidade civil, inclusivamente a seriedade do dano da perda de chance, cabe aos réus demonstrar, para excluir a sua responsabilidade, que o facto de o advogado não ter entregue o requerimento probatório foi de todo indiferente para a improcedência da ação. Ora, esta asserção, que o acórdão fundamento enquadra no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, não traduz uma contradição jurisprudencial, pois, em ambos os acórdãos, a regra fundamental é a de que cabe ao lesado a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil (à exceção da culpa) e ambos atribuem uma natureza qualificada ao conteúdo do ónus da prova do lesado em relação ao dano da perda de chance e ao grau de probabilidade inerente ao nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A complexidade da matéria em causa e da argumentação usada por cada um dos acórdãos, bem como a diferença das situações fácticas entre um acórdão e outro, não consente, a meu ver, que seja possível, de forma lógica e coerente, e com utilidade para a aplicação do direito, delimitar a suposta contradição jurisprudencial e dar-lhe uma resposta precisa que promova a segurança jurídica, como é o objetivo dos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência.

2 – Quanto ao acórdão uniformizador, voto o acórdão, com a indicação de que não subscrevo a afirmação segundo a qual a função sancionatória ou preventiva da responsabilidade civil tem uma natureza acessória, pois, por força da evolução da ordem jurídica e do alargamento crescente do âmbito de aplicação do instituto, na prática judiciária, deteta-se hoje um aumento dos casos em que a responsabilidade civil assume, em simultâneo, uma finalidade reparadora e sancionatória/preventiva, o que tem tido grande relevância para os direitos dos cidadãos. Esta tendência deve, pois, ser apoiada pelo Supremo Tribunal de Justiça e refletir-se no domínio das responsabilidades profissionais, seja de iure constituto, através de uma interpretação atualista das normas jurídicas, seja de iure constituendo, sobretudo naquelas profissões que lidam com direitos fundamentais das pessoas, como em regra será o caso da advocacia.

Maria Clara Sottomayor

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Proc 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A

Declaração de voto

Vencida quanto à admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência e quanto à uniformização.

O despacho liminar de admissão do recurso identificou como questão fundamental de direito alegadamente decidida de forma contraditória, nos seguintes termos: «numa acção de responsabilidade civil por perda de chance processual é ou não suficiente fazer prova da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito para que o autor tenha direito a ser indemnizado pelo dano de perda de chance», tendo concluído pela verificação de todos os requisitos de admissibilidade aludidos no artigo 688.º, n.º 1 do CPCivil.

De forma idêntica se concluiu na tese que faz vencimento, contudo em meu entender, sem qualquer fundamento.

Se não.

O Acórdão recorrido assentou o seu raciocínio no seguinte:

«Tendo ficado provado que o 1.º R., na qualidade de mandatário do A., actuou ilicitamente ao não interpor recurso de apelação da sentença da Vara Mista de …(factos provados 20 a 22), não oferece dúvida, nem os RR. o impugnam, ter aquele violado os deveres a que se encontrava adstrito pelo contrato de mandato forense celebrado com o A.

Assim sendo, não está em causa o preenchimento do pressuposto da ilicitude, mas antes dos pressupostos do dano e da causalidade, à luz da denominada doutrina da perda de chance processual.

[…]

Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.

No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o 1.º R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já em evolução, se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.

Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não propriamente no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. […]

Porém, este «juízo dentro do juízo» é, de facto, essencial, quer na determinação da existência de uma “chance” séria de vitória no processo, quer, posteriormente, na fixação do “quantum” indemnizatório correspondente. Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso conjecturar para averiguar se houve ou não nexo causal é o desenrolar do processo judicial que não chegou a começar, que não foi contestado, onde não foi apresentado o requerimento probatório ou relativamente ao qual não foi interposto recurso, enquanto que o grau de probabilidade de o lesante ter sido o causador do dano é o grau de probabilidade da referida acção, contestação, produção de prova ou recurso. Importa, por seu turno, saber se o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no primeiro processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando se o grau de probabilidade de vitória naquele deve ser realizado, segundo o ponto de vista do juiz da acção de responsabilidade civil movida contra o advogado, ou se passa por averiguar como, presumivelmente, tal teria sido decidido pelo juiz da acção falhada ou omitida, através da reconstrução de um processo imaginário. Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de «perda de chance.».

A conclusão a que ali se chegou, assentou fundamentalmente no chamado “julgamento dentro do julgamento”, isto é, na apreciação prévia do grau de probabilidade sério de que se o recurso de Apelação tivesse sido interposto (omissão esta devida a culpa do mandatário), o mesmo teria sucesso e faria reverter a situação jurídica desfavorável ao cliente, prova essa essencial que o Autor não logrou fazer, mas que o Tribunal entendeu possível elaborar motu próprio, o que fez, equacionando em partes iguais as probabilidades de perda e ganho das partes, caso as provas tivessem sido produzidas em julgamento, tendo concluído pela atribuição de uma indemnização ao Autor, correspondente a metade do pedido formulado na acção, segundo critérios de equidade.

Por seu lado, o Acórdão fundamento, assente igualmente na violação pela Ré (advogada) dos seus deveres decorrentes do contrato de mandato havido com o Autor, ao não apresentar, em tempo útil, o requerimento de indicação das provas, violando as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculada para com aquele, podendo e devendo fazê-lo, por haver omitido, negligentemente, ao tribunal a informação sobre a mudança do seu endereço profissional, causou-lhes danos que se objectivaram na impossibilidade de demonstrar a versão dos factos que apresentara, no articulado inicial, e, reflexamente, na inviabilidade de fazer valer, na totalidade ou em parte, o bem fundado da sua pretensão, consistente na obtenção da quantia de (euro)198.000,00, como peticionado e não tendo a Ré demonstrado, como lhe competia, que a omissão ilícita do cumprimento do meio, contratualmente, exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatuárias e deontológicas da profissão de advogado, não decorreu de culpa sua, que, consequentemente, lhe é imputável, a título de culpa, tendo dessa sorte violado, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com o autor, deixando de satisfazer, pontualmente, a obrigação de entrega oportuna do requerimento probatório a que estava vinculada, o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que a torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, ambos do CCivil.

Daqui resulta que, enquanto no Acórdão recorrido se exigiu a alegação e prova, por banda do lesado, de que se o recurso tivesse sido interposto tinha havido um ganho de causa – alegação e prova do juízo dentro do juízo – naqueloutro, embora tal elemento tivesse sido considerado essencial para o desfecho da acção, concluiu-se que, neste caso, apesar da ausência de alegação e prova da materialidade consubstanciadora do nexo causa e do dano, o Tribunal poderia representar uma situação de ganho/perda equivalente para ambas as partes, que chamou à colação, fazendo intervir no seu juízo numa operação presuntiva de facto de inadmissível laboração por este Supremo Tribunal de Justiça, consistente na equiparação da posição de ambas as partes.

Embora a situação preexistente, objecto de desaparecimento – possibilidade de apresentação de prova – , não ter constituído uma mera probabilidade não verificada, mas uma realidade ocorrida, consubstanciada numa ofensa dos direitos do Autor a ver dirimida a causa por si intentada, na sua plenitude, com ofensa, até, do principio constitucional do acesso ao direito, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do artigo 20.º da CRPortuguesa, na medida em que o patrocínio judiciário levado a cabo pela mandatária do Autor, foi exercido com a violação dos mais elementares deveres deontológicos decorrentes do EOA, certo é que, nessa mesma acção, nenhuma materialidade factual veio a ser apurada no que tange ao prejuízo concretamente sofrido pelo aí Autor, o que sempre se imporia face aos ónus de alegação e prova que sobre si impendia e isso foi constatado pelo Acórdão fundamento, o qual avançou para o nexo de causalidade e o dano de 50 %/50 %, através de uma construção ideal, presuntiva, que no caso disse poder o Tribunal efectuar.

Contudo, veja-se que o Recorrente não identificou com precisão, nas alegações apresentadas em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, quais os elementos que na sua tese determinariam a contradição alegada, bem como a violação imputada ao Acórdão recorrido, tal como determina o disposto no artigo 690.º, n.º 1 do CPCivil, o que levou a Exª Relatora a convidá-lo a corrigir as suas alegações, ao invés de ter rejeitado liminarmente o recurso face à apontada omissão de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 692.º do CPCivil, tendo o Recorrente em cumprimento daquela decisão preliminar, feito juntar umas segundas alegações, onde se limitou a repetir o que havia alegado anteriormente.

A Relatora, no seu despacho de apreciação liminar produzido ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 692.º, admitiu o recurso para uniformização de jurisprudência embora tenha deixado consignado que o fazia nos seguintes termos «[V]eio o Recorrente apresentar conclusões aperfeiçoadas, as quais, não obstante redigidas em termos que se mantêm pouco rigorosos, permitem, ainda assim, identificar a seguinte questão como questão fundamental de direito alegadamente decidida de forma contraditória nos acórdãos em confronto: numa acção de responsabilidade civil por perda de chance processual é ou não suficiente fazer prova da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito para que o autor tenha direito a ser indemnizado pelo dano da perda de chance.», fixando nestes termos a ratio essendi do presente RUJ.

Ora, neste particular, ambos os acórdãos convergem, porque ambos deram como assente a ilicitude do comportamento do advogado, os dois arestos entenderam que houve violação do mandato judicial, logo não há qualquer contradição.

A eventual possível contradição estaria sim, na exigência para a fixação da indemnização, da prova dos elementos constitutivos do julgamento dentro do julgamento, que no Acórdão fundamento se entendeu que embora nada tivesse sido alegado, nem provado, impendia sobre o Tribunal efectuar oficiosamente tal julgamento, o que veio a fazer, retirando uma presunção de facto e de direito e condenando a Ré na indemnização correspondente a 50 % do pedido, por ter entendido que as possibilidades de perda e ganho seriam idênticas para ambas as partes, caso a mandatária do Autor tivesse junto atempadamente o rol de testemunhas; no acórdão recorrido entendeu-se que o ónus de alegação e prova do nexo de causalidade e do dano, impenderia sobre o lesado e tendo ocorrido a omissão desses elementos, a acção nunca poderia proceder.

Ora, esta oposição que existe, mas nestes termos, não foi enunciada pelo Recorrente, o qual, como referi, se limitou a alegar genericamente que havia uma contradição de acórdãos e a contradição enunciada no despacho de admissão do RUJ, inexiste entre os Arestos em oposição, porquanto não é esse o fundamento da dissidência: o Recorrente, quer nas suas alegações primárias, quer nas alegações aperfeiçoadas, não logrou explicar onde residia a oposição, nem tão pouco a contradição jurisprudencial invocada, tendo-se limitado a dizer que o Acórdão recorrido estava em contradição com o Acórdão fundamento, omitindo qualquer explicação consubstanciadora quer da contradição que entende existir, quer do vício em que incorreu o Acórdão recorrido, insistindo antes em impugnar a decisão a que se chegou, repetindo, aliás, as alegações apresentadas em sede de recurso de Revista.

Nestes termos não aceitaria a uniformização, nem esta, no meu entender, tem qualquer razão se ser.

Se não.

Como regra, a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres ou normas legais, que transcendam o contrato, sendo que o incumprimento do contrato – ainda que pelo desrespeito pelos deveres acessórios que a deontologia impõe, gera, em princípio, responsabilidade contratual.

O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil aquiliana, aplicável mutatis mutandis à responsabilidade contratual, é o vem consignado no artigo 483.º do Código Civil segundo o qual «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.».

Constituem pressupostos do dever de reparação: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, cfr Antunes Varela, Das Obrigacões em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

A problemática solvenda, deveria ter sido colocada em sede de responsabilidade contratual por violação da obrigação de meios decorrente do contrato de mandato havido entre as partes e não em sede de dano autónomo proveniente de perda de chance – figura esta de configuração discutível quer a nível doutrinário, quer a nível jurisprudencial, para além da sua difícil inclusão legislativa, face à impossibilidade do confronto entre a situação existente e a situação actual hipotética, onde a chance não se conseguirá reflectir, tendo em atenção os critérios constantes dos artigos 562.º e 566.º do CCivil – , chegando-se, através daquele instituto, à mesma decisão obtida no Acórdão recorrido, já que o Autor não logrou provar que embora o Réu não tenha interposto recurso, quando podia e devia tê-lo feito, a falta cometida lhe tenha causado algum dano, através do apelo à causalidade probabilística, cfr neste sentido Júlio Gomes, Em Torno Do Dano Da Perda De Chance – Algumas Reflexões, Ars Judicandi, Estudos Em Homenagem Ao Prof Doutor António Castanheira Neves, Volume II: Direito privado, 289/327; Paulo Mota Pinto, Perda De Chance Processual, Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, Volume II, 2016, 1283/1323; Rui Cardona Ferreira, A perda de chance revisitada (a propósito da responsabilidade forense), in ROA, ano 73, n.º 4 (Out-Dez 2013), 1301/1329.

Ana Paula Boularot

Perda de chance processual

Centros de tecnologia e inovação

Portaria n.º 53/2022

Publicação: Diário da República n.º 16/2022, Série I de 2022-01-24, páginas 98 – 100
Emissor: Economia e Transição Digital
Data de Publicação: 2022-01-24
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Centros de tecnologia e inovação

Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas e Leis Orgânicas dos três ramos das Forças Armadas

Decreto-Lei n.º 19/2022

Publicação: Diário da República n.º 16/2022, Série I de 2022-01-24, páginas 3 – 97
Emissor: Presidência do Conselho de Ministros
Entidade Proponente: Defesa Nacional
Data de Publicação: 2022-01-24
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Lei Orgânica do Estado-Maior-General das Forças Armadas e Leis Orgânicas dos três ramos das Forças Armadas

Altera as medidas aplicáveis no âmbito da pandemia da doença COVID-19

Resolução do Conselho de Ministros n.º 5-A/2022

Publicação: Diário da República n.º 15/2022, 1º Suplemento, Série I de 2022-01-21, páginas 2 – 2
Emissor: Presidência do Conselho de Ministros
Data de Publicação: 2022-01-21
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Altera as medidas aplicáveis no âmbito da pandemia da doença COVID-19

Alterações ao registo comercial

Portaria n.º 47/2022

Publicação: Diário da República n.º 14/2022, Série I de 2022-01-20, páginas 12 – 13
Emissor: Justiça
Data de Publicação: 2022-01-20
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Alterações ao registo comercial

Sistema de Incentivos «Agendas para a Inovação Empresarial»

Portaria n.º 43-A/2022

Publicação: Diário da República n.º 13/2022, 1º Suplemento, Série I de 2022-01-19, páginas 2 – 16
Emissor: Economia e Transição Digital
Data de Publicação: 2022-01-19
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Sistema de Incentivos «Agendas para a Inovação Empresarial»