O futuro das sociedades de advogados: tópicos para uma reforma

O futuro das sociedades de advogados: tópicos para uma reforma

As sociedades de advogados são uma realidade muito recente em Portugal.

O seu primeiro regime jurídico foi regulado pelo Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de dezembro.

Este diploma foi revogado/substituído pelo Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de dezembro, que vigorou até 9 outubro de 2015, data em que foi revogado pela  Lei n.º 145/2015. de 9 de setembro, cujo Capítulo VI regula a constituição e funcionamento das sociedades de advogados.

Não há sociedades de advogados em Portugal com mais de 42 anos.

Mas nestes 42 anos, muitas mudanças se verificaram, por força daqueles diplomas; e muitas se vão verificar por força da nova lei das associações públicas profissionais, já aprovada pela Assembleia da República.

Todavia, mais do que as alterações legislativas, relevam as mudanças impostas pelas mudanças no funcionamento da sociedade, impostas por diversos fatores, entre os quais a pandemia COVID-19 e por alterações legislativas por ela provocadas, que implicaram mudanças no funcionamento dos serviços públicos, tanto para o bem como, especialmente, para o mal.

O essencial da advocacia consiste na prestação de informação jurídica e no mandato forense, relativamente ao qual artº 66º,3 do atual EOA determina que “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”

Nunca – desde a fundação da Ordem dos Advogados – havia esse normativo sido posto em causa, como o está a ser hoje, nomeadamente por via de um sistema de implementação de plataformas eletrónicas, que afasta o acesso dos advogados, para facilitar o acesso dos procuradores ilícitos e preparar o acesso futuro dos profissionais “multidisciplinares”.

Não estão, porém, ainda fechadas todas as portas, justificando-se que aproveitemos aquelas em que podemos entrar, na defesa dos interesses dos nossos clientes.

Muitos advogados que desenvolviam a sua atividade no âmbito de sociedades passaram à prática individual, trabalhando em casa, sem sequer discutirem os casos e os problemas com outros colegas.

Muitos deles, inscreveram-se no serviço público de proteção jurídica, onde, entretanto, se inventaram práticas indecorosas, como a de recomendar aos clientes que não prestem declarações, de forma adequada a não gastar tempo.

Alguns são seduzidos pela maior facilidade de fugir aos impostos, esquecendo-se de que a cidadania fiscal bem exercida é uma das garantias do prestígio da advocacia.

Não escrevo isto para sustentar o regresso ao antes do COVID, com escritórios ocupados por “advogados a tempo inteiro”, no mínimo das 9:00 às 19:00 ou 20:00.

A generalização do uso das novas tecnologias e os hábitos que criamos no tempo da pandemia ensinaram-nos muita coisa, nomeadamente que é possível repartir o tempo, com vantagem, entre a casa e o escritório e criar organizações que usem os mesmos meios para mais profissionais, normalizando a prestação dos serviços por mais elevados níveis de qualidade.

Desde logo, podemos repartir:

  • Uma marca
  • Métodos de trabalho
  • Um sistema informático com níveis de automatização crescentes
  • Um secretariado
  • Espaços de escritório

É claro e inequívoco que o futuro não está no regresso à prática individual, por maior que seja a tentação do conforto do lar.

Um advogado precisa, neste novo tempo, de ter, pelo menos:

  • Um endereço postal físico e uma secretária que atenda telefones e receba correio;
  • Um sistema informático;
  • Um sistema que permita a digitalização dos documentos relativos aos diversos dossiês e aos processos;
  • Um espaço onde possa reunir com clientes;

O regresso à prática individual, por mais cómodo que seja, implica custos operacionais enormes.

De outro lado, é certo que as sociedades não conseguirão sobreviver no modelo anterior à pandemia, com grandes espaços em imóveis, normalmente em zona nobres, elevado número de empregados forenses e sistemas informáticos e de digitalização de capacidades desproporcionada e, por isso, mal aproveitados.

As sociedades de advogados suportaram, com as suas reservas ou com entradas dos seus sócios, as consequências da redução de atividade em 2020, 2021 e 2022.

Foram três anos que mudaram as nossas vidas, de forma brutal; e que impõem uma reflexão profunda sobre as organizações, os métodos de trabalho e os modelos de organização do futuro.

Na MRA começamos essa reflexão em 2022; e vamos passar à prática em 2023.

Estamos abertos à cooperação com colegas que queiram repensar o futuro da advocacia e descobrir novos modelos de trabalho.

 

Lisboa, 08/01/23

 

Miguel Reis

Administrador da MRA

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