Juros pedidos na execução

Citamos Lexpoint

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que é ilegal, por violação do princípio do dispositivo, a inclusão na nota de liquidação final da obrigação exequenda de juros de mora vencidos após a instauração da execução que não tenham sido pedidos pelo exequente, no requerimento executivo.

O caso

Uma empresa instaurou uma execução contra um banco exigindo o pagamento de 1.965.637,45 euros, apresentando como título executivo uma garantia bancária emitida pelo banco para assegurar o pagamento da aquisição de equipamento informático ou prestação de serviços por parte de uma empresa cliente, que o mesmo não teria honrado. Fê-lo pedindo também o pagamento dos juros devidos até à instauração da execução, que calculou em 23.833,65 euros

Mais tarde, o agente de execução liquidou a quantia exequenda em 2.720.299,94 euros, sendo 745.931,97 euros juros comerciais vencidos após a instauração da execução, tendo o banco reclamado da nota de liquidação, alegando que esses juros não constavam no título executivo e não tinham sido requeridos. Reclamação que foi rejeitada, levando o banco a recorrer para o TRL.

Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL julgou procedente o recurso, dando provimento à reclamação apresentada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução e ordenando que a mesma fosse reformulada, com exclusão dos juros de mora vencidos posteriormente à instauração da execução.

Decidiu o TRL que é ilegal, por violação do princípio do dispositivo, a inclusão na nota de liquidação final da obrigação exequenda de juros de mora vencidos após a instauração da execução que não tenham sido pedidos pelo exequente, no requerimento executivo.

Nada obsta a que o credor peticione o pagamento de juros de mora, contabilizados à taxa legal, da obrigação constante do título executivo, ainda que este seja omisso quanto a essa obrigação de pagamento de juros. Mas, conforme decorre do princípio do dispositivo, esses juros devem sempre ser peticionados. E, uma vez que a obrigação exequenda deve ser líquida, e a determinação dos juros devidos depende de simples cálculo aritmético, o exequente deve, no requerimento executivo, proceder ao respetivo cálculo, concluindo com um pedido líquido, respeitante aos juros vencidos. Em relação aos juros vincendos, deve o exequente formular um pedido ilíquido, cabendo depois ao agente de execução liquidar, a final, os juros que se vencerem na pendência da execução.

Nesse sentido, tendo a exequente, no requerimento executivo, procedido ao cálculo dos juros vencidos até à data da instauração da execução e peticionado o seu pagamento, sem formular o pedido de pagamento dos juros de mora vincendos, abstendo-se, assim, de integrar, por meio de pedido ilíquido, na execução esse crédito vincendo, é necessariamente ilegal, por violação do princípio do dispositivo, a inclusão, na nota de liquidação final da obrigação exequenda, de juros de mora vencidos após a instauração da execução.

O TRL afirmou ainda que quando exista controvérsia acerca da inclusão, ou não, no âmbito da obrigação exequenda, dos juros de mora vencidos após a instauração da execução, alcançando uma verba que ultrapassa os 700.000 euros, essa questão excede a mera dúvida sobre a correção de um cálculo aritmético, revestindo, antes, a natureza de um verdadeiro litígio, de um conflito acerca do alcance económico do poder de agressão do património da executada. Nesse caso, deve admitir-se o recurso do despacho judicial proferido sobre reclamação apresentada pela executada contra a nota de liquidação elaborada pelo agente de execução, assim se interpretando restritivamente a lei, na medida em que uma ideia de irrecorribilidade absoluta colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 13644/12.9.YYLSB-C.L1-2, de 11 de julho de 2019
Código de Processo Civil, artigos 10.º, 703.º, 713.º, 716.º, 723.º n.º 1 alínea c) e 724.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 20.º

 

Veja também
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.07.2019

Source: MRA Newsletter

Sistema Eletrónico de Compensação em 2020

O futuro Sistema Eletrónico de Compensação está em consulta pública até ao fim do mês. O ECOMPENSA vai integrar plataformas eletrónicas credenciadas para efeitos de compensação voluntária de créditos de que sejam titulares entidades que a elas tenham aderido.

O ECOMPENSA opera por via de plataformas eletrónicas credenciadas pelo Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) e fiscalizadas pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA); os termos vão ser definidos por portaria, que definirá também as regras de constituição, de funcionamento e de gestão das plataformas eletrónicas de compensação, bem como as obrigações a que as entidades participantes e a entidade gestora se encontram sujeitas.

As finalidades destas plataformas é a extinção, total ou parcial, por compensação voluntária, de obrigações a que se encontrem adstritas as entidades participantes e que se encontrem devidamente registadas nessas plataformas.

A entidade credenciadora das plataformas eletrónicas e dos respetivos auditores de segurança é o CNCS.

Apenas podem fazer a adesão voluntária às plataformas pessoas singulares ou coletivas titulares em Portugal de um número de identificação fiscal ou de um número de identificação de pessoa coletiva, e apenas serão elegíveis para compensação as obrigações pecuniárias emergentes de ato ou negócio jurídico vencidas e exigíveis.

A pendência de um processo de insolvência ou equivalente sobre uma entidade participante determina a recusa ou revogação imediata, pela respetiva entidade gestora, da sua inscrição numa plataforma do ECOMPENSA. Entende-se por «processo de insolvência ou equivalente», qualquer processo, de natureza extrajudicial ou judicial, dirigido à aplicação de medida coletiva ou universal, tendo por fim a liquidação, a reestruturação ou a recuperação de uma entidade participante, de que resulte a limitação, suspensão ou cessação do cumprimento das respetivas obrigações ou das garantias a elas associadas.

Que créditos podem ser compensados

Podem ser objeto de compensação por via de uma plataforma eletrónica do ECOMPENSA as obrigações pecuniárias emergentes de ato ou negócio jurídico, vencidas e exigíveis, desde que os respetivos credor e devedor sejam entidades participantes da plataforma.

Apenas são elegíveis para compensação no âmbito do ECOMPENSA:

  • as obrigações voluntariamente introduzidas na plataforma eletrónica pela respetiva entidade participante devedora, e que se encontrem validadas, à data da emissão da ordem de compensação, pela respetiva entidade participante credora (a definir);
  • os créditos voluntariamente introduzidos na plataforma eletrónica pela respetiva entidade participante credora e que se encontrem validados, à data da emissão da ordem de compensação, pela respetiva entidade participante devedora (a definir).

O montante, a data de vencimento e a identidade dos devedores e dos credores das obrigações e dos créditos inseridos numa plataforma eletrónica do ECOMPENSA são aferidos por confronto com os documentos ou faturas que os suportam e que devem ser disponibilizados na respetiva plataforma (a definir).

A introdução voluntária de obrigações ou de créditos, bem como a respetiva validação, numa plataforma eletrónica do ECOMPENSA, por qualquer entidade participante, implica a renúncia, por essa entidade, à invocação de exceções de direito material relativamente a essas obrigações e a esses créditos.

Qualquer entidade participante que tenha introduzido obrigações ou créditos numa plataforma eletrónica do ECOMPENSA, ou que os tenha validado, pode, a todo o tempo, retirar eficácia a essa introdução ou validação deixando, nesse caso, esses créditos e obrigações de ser elegíveis para compensação no âmbito do ECOMPENSA.

Não é admitida a compensação no âmbito do ECOMPENSA:
– de créditos impenhoráveis;
– de créditos que, à data da introdução na plataforma eletrónica, sejam objeto de garantia a favor de terceiro ou sobre os quais incidam direitos de terceiro;
– de créditos que tenham sido arrestados, penhorados ou, por qualquer outra forma, apreendidos no âmbito de litígios judiciais;
– de créditos relativamente aos quais tenha havido renúncia ao direito à compensação.

Estas exclusões não prejudicam o previsto no Código Civil em matéria de exclusão da compensação, que prevê a impossibilidade de extinção por compensação dos créditos provenientes de factos ilícitos dolosos, dos créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem da mesma natureza e dos créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei o autorize. E que também não admite a compensação se houver prejuízo de direitos de terceiro constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.

Em relação aos créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, o diploma sob consulta autoriza a compensação de créditos de pessoas coletivas públicas efetuada em plataforma do ECOMPENSA, desde que a adesão seja autorizada pelos ministros das finanças e da respetiva área setorial.

Produção de efeitos da compensação

As obrigações consideram-se extintas, total ou parcialmente, com o registo da ordem de compensação na respetiva plataforma eletrónica do ECOMPENSA.

À compensação voluntária no âmbito de uma plataforma ECOMPENSA não é aplicável a retroatividade prevista no Código Civil, ainda que os créditos compensados fossem passíveis de compensação legal.

Irrevogabilidade e oponibilidade

As ordens de compensação emitidas pela entidade gestora são irrevogáveis após o seu registo na plataforma eletrónica do ECOMPENSA.

As ordens – validamente emitidas pela entidade gestora – têm como efeito a extinção, total ou parcial, das obrigações registadas na plataforma eletrónica do ECOMPENSA, sendo oponíveis a terceiros, mesmo em caso de insolvência ou equivalente relativa a uma entidade participante, desde que, nesses casos, as ordens tenham sido registadas na plataforma eletrónica antes do momento da abertura do respetivo processo de insolvência ou equivalente.

Após o momento da abertura do processo de insolvência ou equivalente relativa a uma entidade participante, e até ao fim do respetivo dia, as ordens de compensação são ainda juridicamente eficazes e oponíveis a terceiros se a entidade gestora demonstrar que não conhecia nem tinha obrigação de conhecer a abertura daquele processo.

Nenhuma norma, qualquer que seja a sua fonte, que determine a ineficácia, invalidade ou qualquer outra forma de afetação de atos ou negócios jurídicos praticados antes da abertura de um processo de insolvência ou equivalente pode conduzir a que seja invalidada, alterada ou por qualquer outro modo afetada uma operação de compensação realizada no âmbito do ECOMPENSA.

Referências
GOV – Consulta pública até 30.08.2019

 

Veja também
GOV – Consulta pública até 30.08.2019

Source: MRA Newsletter

É muito grave a situação das repartições do registo civil

As repartições do registo civil portuguesas – a quem incumbe o processamento de todos os atos de registo civil e atos relativos  ao regime jurídico da nacionalidade portuguesa – tem vindo a degradar-se de forma muito substancial.

Em 2009, foi publicada a Portaria no 654/2009, de 17 de junho, que aprovou o regime dos procedimentos eletrónicos em matéria de registo civil.

Porém, o Instituto dos Registos e do Notariado não conseguiram, até hoje, implementar a plataforma eletrónica indispensável para trais processamentos.

A degradação dos serviços é brutal e insustentável; e o incumprimento dos prazos é generalizado.

Para além disso, multiplicaram-se os pedidos de diligências despropositadas e inúteis que conduzem ao arrastamento dos procedimentos durante anos.

Para quem tiver tempo para esperar, o nosso conselho é no sentido de esperar e não estressar.

Para quem não possa esperar, por carecer de regularizar as situações jurídicas que obrigam aos registos, sugerimos que recorram aos tribunais administrativos pedindo que intimem as repartições faltosas a proceder aos registos ou a praticar os atos devidos.

É importante esclarecer quais são os prazos estabelecidos por lei para os procedimentos de registo civil e nacionalidade, partindo do pressuposto que os processos são instruídos por um profissional competente.

Nos termos da lei portuguesa, só os advogados e os solicitadores inscritos na Ordem dos Advogados ou na Câmara dos Solicitadores podem representar pessoas cívicas ou jurídicas junto de repartições públicas.

Os atos sujeitos a registo civil obrigatório são os seguintes, nos termos do artº 1º,1 do Código do Registo Civil:

a) O nascimento;

b) A filiação;

c) A adoção;

d) O casamento;

e) As convenções antenupciais e as alterações do regime de bens convencionado ou legalmente fixado;

f) A regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação;

g) A inibição ou suspensão do exercício do poder paternal e as providências limitativas desse poder;

h) O acompanhamento de maiores e a tutela e administração de bens;

i) O apadrinhamento civil e a sua revogação

j) A curadoria provisória ou definitiva de ausentes e a morte presumida;

l) A declaração de insolvência, o indeferimento do respetivo pedido, nos casos de designação prévia de administrador judicial provisório, e o encerramento do processo de insolvência;

m) A nomeação e cessação de funções do administrador judicial e do administrador judicial provisório da insolvência, a atribuição ao devedor da administração da massa insolvente, assim como a proibição da prática de certos actos sem o consentimento do administrador da insolvência e a cessação dessa administração;

n) A inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício do comércio e de determinados cargos;

o) A exoneração do passivo restante, assim como o início e cessação antecipada do respetivo procedimento e a revogação da exoneração;

p) O óbito;

q) Os que determinem a modificação ou extinção de qualquer dos factos indicados e os que decorram de imposição legal.

Nos termos do artº 1º,1, os factos respeitantes a estrangeiros só estão sujeitos a registo obrigatório quando ocorram em território português.

 

A questão da eficácia na ordem jurídica portuguesa

A eficácia desses factos na ordem jurídica portuguesa depende do registo no registo civil português, no caso de eles terem ocorrido no estrangeiro.

Se forem atos de registo puros, sem intervenção dos tribunais estrangeiros, os registos podem, por regra,  ser processados por transcrição.

Se, porém, forem atos que tenham carecido da intervenção de tribunais estrangeiros, as decisões carecem de ser revistas e confirmadas por um tribunal português.

A regra é que os documentos emitidos por um Estado estrangeiro são válidos em Portugal.

É que vem no artº 365º do Código Civil:  Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.”

A transcrição de qualquer ato de registo civil registado no estrangeiro deveria ser  concluida no prazo  do procedimento administrativo, ou seja no máximo de 90 dias, sem prejuizo dos prazos do Código do Registo Civil serem muito inferiores.

O prazo geral para ser proferido despacho em sede de procedimento administrativo é de 10 dias, sendo de 10 dias, outrossim o prazo para os interessados requerem diligências.

Nada justifica que o registo por transcrição de um óbito ocorrido no estrangeiro demore quatro ou cinco meses, ou mesmo anos, quando a lei impõe aos herdeiros, um prazo de 90 dias para procederem à regularização da situação sucessória perante a Administração Tributária.

 

Os casos especiais do Estado da Índia e das ex-colónias

A União Indiana ocupou, em 21 de dezembro de 1961  os territórios de Goa, Damão e Diu.

Em 17 de fevereiro de 1962 foi publicada a Lei nº 2112, que determinou que continuariam a ser nacionais portugueses as pessoas nascidas naquele território., que Portugal considerou  território português até ao dia 3 de julho de 1975.

É escandalosa a falta de respeito de Portugal pelas suas próprias leis no que se refere ao registo civil dos portugueses da Índia a aos registos dos que nasceram portugueses nas demais colónias, tornadas independentes em 1975.

Em 1977 foi publicado  o Decreto-Lei nº 249/77, de 14 de junho, visando simplificar a forma de ingresso nos livros do registo civil português de atos de registo civil anteriormente lavrados nas ex-colónias.

Em vez de facilitar, parece que este diploma ainda veio criar mais dificuldades. E o universo que temos nestas paragens é desolador. Há  Portugueses  com 60, 70, 80 anos que são tratados como apátridas há quase meio século.

A verdade é que os respetivos registos – que foram processados pela antiga administração portuguesa – deveriam ter sido integrados no sistema de registo civil português no prazo máximo de 10 dias, porque, na generalidade dos casos não se suscitam quaisquer dúvidas sobre os documentos.

E se dúvidas houvesse, também para elas a lei oferece diversas soluções, a começar pelo processo de justificação em sede de registo civil.

 

Processos judiciais expeditos

Os tribunais administrativos também são lentos e também não funcionam como seria desejável. Mas são especialmente atentos  no que se refere à defesa de direitos fundamentais e a situações que são absolutamente escandalosas no quadro da União Europeia.

Ninguém sabe que há portugueses e descendentes de portugueses às espera de registos há 5, 10, 15 anos.

Como serão poucos os que sabem que o mesmo Estado português que agracia Aga Khan com a nacionalidade portuguesa a denega aos que, nos termos das leis portuguesas ou são portugueses sem registos ou são pessoas que têm direito à nacionalidade portuguesa.

Os processos arrastar-se-ão cada vez mais, ao ponto de não terem solução administrativa.

Já vimos que muitos atos de registo deveriam ter sido processados no prazo de 10 dias. É, em nossa opinião, o que deveria ter sido feito relativamente às integrações de assentos de registo de nascimento processados nas antigas colónias.

Nos processos de nacionalidade, os prazos são claros: o conservador tem 30 dias para analisar o pedido e notificar o interessado para, em 20 dias, suprir faltas e mais 60 dias para proceder aos registos.

Não se conhece nenhum conservador que respeito o prazo legal; e isso ofende direitos fundamentais dos requerentes, que só podem ser defendidos por via judicial.

Meter a cabeça na areia e acreditar em milagres deixou de ser apenas um erro para poder ser uma atitude suicida.

Por isso desenhamos vários tipos de ações judiciais, visando combater este flagelo, com o mínimo de custos possíveis.

Não ganharemos todos os casos na primeira instância, como aconteceu com a luta pela não apresentação de provas de ligação à comunidade nacional, em que creditamos dois acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Mas, porque acreditamos na Justiça, também acreditamos que será possível pôr termo a esta pouca vergonha.

 

Lisboa, 7 de agosto de 2019

Miguel Reis